Por Jacqueline Paggioro
É neste “rabicho de dezembro” que anuncia o final de mais um ano que me dou conta: inúmeras resoluções — projetadas quando o ano era novinho em folha — estão inconclusas ou sequer iniciadas. Caminhar mais e comer menos, falar menos e sorrir mais, consumir menos, poupar mais...
Creio que o infindável ir e vir dos dias fez com que o Tempo, o senhor do infinito, inspirasse a invenção de alguma coisa que lhe fizesse menos pesada a eternidade. E Júlio César decretou o 1.º de janeiro para ser o primeiro dia do ano e nos deu a possibilidade do recomeço. Bendito seja, ó senhor do infinito!
Começar, recomeçar, interromper ciclos. No ir e vir das calendas, resolvi fechar para balanço! Chega de projetos mirabolantes, resoluções mal começadas ou tampouco terminadas. E não raro, muitas vezes postergadas.
Constatei que não é transpondo o lugar dos objetos, alterando o corte ou a cor dos cabelos, adotando um novo figurino, mudando de casa ou de cidade que ocorrem as exatas mudanças, aquelas de que verdadeiramente necessitamos.
O Rubem Alves tem uma belíssima crônica intitulada A complicada arte de ver, que não fala necessariamente de mudanças ou resoluções, mas que me inspira nesses momentos de introspecção. Amparado pela ciência, ele diz que o ato de ver não é coisa natural, precisa ser aprendido. E cita uma plêiade de poetas — Neruda, Blake, Caeiro, Drummond, Cummings, entre outros — para concluir que a diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados; olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos e os que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. “Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: ‘A mim, ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as tem na mão e olha devagar para elas’.”
Ao “olhar” este ano que se finda, percebi que é preciso deixar de ter pressa, reaprender a gostar do que faço (porque faço o que gosto), ter pequenas e homeopáticas doses diárias de alegria, ouvir (e cantar e dançar) as músicas de que gosto repetidas vezes, sentir o vento, andar na chuva e me permitir, como na crônica da Ana Laura Nahas, à “melancolia dos domingos, mas também a leveza do descanso e a imensa possibilidade dos recomeços, assistir à vida e seus contornos, a proximidade, a paixão e o vício nos lugares em que antes só havia distância, antipatia e indiferença..., desaprender do costume... de tomar café correndo por causa do atraso, de ouvir sobre a violência e aceitar estatísticas, as besteiras das músicas e a morte lenta dos rios, de ser ignorada quando preciso tanto ser vista, de pagar mais do que as compras valem... O tempo da delicadeza, quando olhei de longe, parada como às vezes deve ser, pareceu mais capaz, mesmo que nem sempre, de transformar o vazio, os desejos, as dores e as dúvidas em outra coisa. A outra coisa era [como ainda é] a vontade de viver os temas essenciais da vida com o corpo todo, com toda a calma do mundo.”
E vou tentar viver o meu novo ano como a Manhã (personagem da fábula de Jorge Amado, O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá) que em certos dias de primavera coloca sobre o luminoso vestido a rosa azul de antigas idades, que ganhou do Tempo, e fazer com que ele tenha esplêndidas manhãs azuis.
Um feliz recomeço a todos!