ACEITAÇÃO E S

Samuel Bortolin: 'não vivo do esporte, mas o esporte me mantém vivo'

Samuel Bortolin: 'não vivo do esporte, mas o esporte me mantém vivo'

Entrevista especial com o paratleta amador e palestrante Samuel Bortolin

Entrevista especial com o paratleta amador e palestrante Samuel Bortolin

Publicada há 7 anos


‘’Andar? Só se acreditar em milagre’’, era o que todos diziam. A família dele acreditou e ele também



Por Breno Guarnieri


Quando bebê, a mãe dele ouvia que não era possível ele engatinhar. Depois, ele começou a ouvir dos médicos que não ficaria em pé sem apoio. “Andar? Só se acreditar em milagre”, era o que todos diziam. A família dele acreditou, ele acreditou e dentre muitos que diziam não ser possível andar, acreditaram no único médico que disse: ‘’Talvez ele ande’’. Desta forma, ele resolveu então treinar como fisiculturista. Disseram a ele as mesmas coisas, que isso não iria o levar a lugar nenhum, que era loucura e delírio. ‘’Um deficiente não pode treinar pesado’’, eles afirmavam. Mas quando ele começou a correr, chegou ao máximo da loucura, pois poderia prejudicar o seu quadril e joelho. Enfim, sempre que ele escuta coisas assim, ele responde: “Porque não podemos viver nossos sonhos e chegar ao máximo de autonomia?”. 


Bem, hoje a Reportagem de “O Extra.net” traz uma entrevista especial com o paratleta amador e palestrante Samuel Bortolin, 28 anos, que busca superar os desafios diários que costuma enfrentar após ter nascido com paralisia cerebral. Formado em Educação Física pela FEF e em Direito (iniciou o curso na Unicastelo, mas se formou na Unorp – Rio Preto), Samuel viu um grande leque de possibilidades se abrir na vida mediante ao atletismo. 




EXTRA: Como foram suas primeiras experiências com a corrida? O que te motivou? 

SAMUEL: Sempre fui motivado por desafios. Comecei a caminhar por recomendação médica. Estava na adolescência, bastante acomodado e sedentário. Por isso, tive problemas na coluna, com possibilidade até de intervenção cirúrgica. Isso mexeu com meu brio, então veio uma necessidade insana de mudança, caminhadas, academia e fisioterapia. Então a caminhada foi
motivada por uma necessidade. Já a corrida, o que me motivou foi o desafio, o desafio de saber que eu poderia ir além, de me superar dia após dia. 


EXTRA: O que mudou para você depois da prática do atletismo? 

SAMUEL: Tudo! Quando se tem uma deficiência dessa complexidade, um mínimo ganho é uma dádiva. Sempre trabalhei em longo prazo com os aspectos físicos. Hoje, tenho mais autonomia, mais agilidade para executar as tarefas do dia a dia. Mexe muito com a autoestima também, hoje gosto muito mais de mim mesmo. 


EXTRA: Como você avalia o cenário mundial para o movimento paralímpico hoje? SAMUEL: Excelente! O Brasil é muito superior nas paralimpíadas do que nas olimpíadas.  As dificuldades se assemelham muito, falta estrutura e incentivo em ambas as competições. Porém, eu acredito que no Brasil, qualquer pessoa com uma deficiência que busque autonomia para cumprir os afazeres diários, tem que ser realmente herói, para enfrentar principalmente, a falta de infraestrutura básica. Então, quando alguém tem esse “preparo diário” sai à frente de pessoas habituadas a viverem em países com infraestrutura melhor. 


EXTRA: O Rio de Janeiro sedia as Paralimpíadas. Você acredita que as cidades brasileiras são acessíveis para os atletas com deficiência? O que precisa mudar? 

SAMUEL: Não! Nós, pessoas com deficiência sentimos muita falta de uma estrutura mais acessível. Todos nós vamos precisar de acessibilidade em algum momento da nossa vida, ou por conta da idade, ou situações temporárias, como quebrar o pé, por exemplo. Porém, precisamos começar a mudança pela cultura. O velho “jeitinho brasileiro” atrapalha muito, ouço coisas do tipo vou parar na vaga preferencial bem rapidinho mesmo, muitas vezes essa pode ser a hora de alguém que realmente necessite da vaga, esteja passando. O aspecto cultural é sem duvida, não só o primeiro passo, como o mais importante. 


EXTRA: Além de esportista, hoje você também é palestrante motivacional. Como é o trabalho desenvolvido? 

SAMUEL: Sempre ouvi de pessoas próximas que a minha história de vida as motivava. Comecei a receber convites de amigos, no início, para contar minha história a seus amigos que estavam passando por dificuldades semelhantes as que eu passei, na maioria das vezes casais com filhos com deficiência, ou até mesmo que estivessem enfrentando alguma outra adversidade. Até eu perceber que inspirava as pessoas com a determinação e força de vontade que eu tive na infância e permaneço até hoje, a serem melhores, em diversos aspectos de suas vidas, seja como mães, pais, filhos ou profissionalmente. Eu simplesmente ia até a pessoa e contava tudo o que havia passado. Até tomar uma proporção enorme, na qual eu tive que decidir entre ter um emprego ou profissionalizar meu negocio, poder viajar o Brasil inteiro para contar a minha superação, alinhando sempre as palestras, com as necessidades do público que me assiste. Não tive dúvidas, escolhi a segunda opção, pois a minha história de vida é o meu maior orgulho, não só meu como da minha família também. Poder expandir e ajudar as pessoas que a gente ainda não conhece é uma gratificação sem tamanho. Sempre fui muito comunicativo, líder de sala nos tempos de colégio, gosto de interagir. Foi fácil tomar a decisão. Hoje, sou muito feliz profissionalmente por auxiliar as pessoas a serem cada vez melhores, sou do tipo que sempre acredita que todos nós temos muito potencial a ser desenvolvido. Meu trabalho é apenas auxiliar pessoas a melhorarem.  Claro, como profissionalizei meu negócio, tive que estudar e treinar muito, coisas como PNL (Programação Neuro Linguística), cursos de retórica e oratória estão entre meus favoritos. 


EXTRA: Qual o papel do esporte na reabilitação de pessoas com deficiência física? 

SAMUEL: Na maioria dos casos (no meu também) é simplesmente conseguir algo a mais. Esse algo a mais pode ser coisa do tipo amarrar o sapato sozinho, vestir-se, enfim, tudo que envolve autonomia para mim. Tive muitos ganhos com fisioterapia, e, até hoje, faço alguns exercícios, mas chegou uma hora na minha vida que eu estava cansado daquela rotina, então o esporte sempre esteve presente para fazer minha reabilitação de forma mais lúdica. Recomendo para todas as pessoas, afinal, hoje temos uma grande diversidade esportiva. Acredito que a pessoa tem de fazer aquilo que ela gosta e se identifica, caso contrário, dificilmente vai manter o projeto em longo prazo. 


EXTRA: Para você, o esporte é essencial? 

SAMUEL: Sim. Esporte é vida! É vida porque faz as pessoas gostarem mais de si mesmas. É vida porque traz muitas amizades. É fantástico você saber que sempre pode mais, que mantendo a persistência, sempre dá para ir além. Por tudo isso e muito mais, garanto a qualquer pessoa, mesmo sendo ela muito feliz, que o esporte trará mais felicidade ainda. Já vi pessoas saírem da depressão após iniciarem corrida, por exemplo. Muito do foco que a pessoa aplica na atividade vai transbordar para outras áreas da vida dela. E isso, por vezes, traz melhoras na vida pessoal/profissional. Afinal, um pouquinho a mais de disposição e energia, sempre é benéfico.



Samuel durante a realização de sua palestra motivacional




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