Carlos Eduardo

Quando os primos se apaixonam e se casam

Quando os primos se apaixonam e se casam

Por Carlos Eduardo Maia de Oliveira - Professor e Biólogo

Por Carlos Eduardo Maia de Oliveira - Professor e Biólogo

Publicada há 8 anos

Junto com nossos irmãos, geralmente os primos e as primas são nossos primeiros amigos e amigas, e não é raro que um casal de primos se apaixone no início da adolescência, inicie um namoro e resolva levar a sério essa relação, chegando a se casar - tal situação não é rara, tanto que é comum as pessoas terem casos de casamento entre primos em suas famílias. 


A legislação brasileira não proíbe esta união civil, que é um exemplo de casamento consanguíneo (contraído entre parentes). O Código Civil, em seu artigo 1.521, proíbe expressamente alguns casamentos consanguíneos, como por exemplo, entre pais e filhos (incluindo os filhos adotados), entre genro e sogra, nora e sogro, entre irmãos e meios-irmãos (de sangue e adotados), dentre outros, porém, não há proibição do casamento entre primos. No entanto, o casal de primos, ao planejar os filhos, deve ter a consciência de que os mesmos podem manifestar algumas doenças graves de origem genética, mesmo que as chances disso ocorrer sejam remotas. 


Para explicar as causas dessas doenças, vamos relembrar as aulas de Genética lá do antigo colegial e atual Ensino Médio – existem genes denominados recessivos, que são aqueles que geralmente manifestam uma determinada característica somente em dose dupla (um exemplar vem do pai e outro da mãe). Alguns genes recessivos são deletérios (causadores de má formação ou de doenças graves), e todos possuem de três a cinco destes genes, só que em dose simples, por isso não se manifestam, porém é mais fácil encontrarmos o seu par em um membro da família do que em pessoas que não são parentes, e não nos esqueçamos de que primos são nossos parentes, pois compartilham conosco ascendentes próximos, que no caso são os avós (paternos ou maternos), e quanto mais estreitos os laços de parentesco entre os membros do casal (irmãos, pais e filhos), maiores são as chances de ocorrência de uma doença grave em um filho que seja fruto de uma união consanguínea.


O risco de um homem e uma mulher que não são parentes conceber um filho com uma doença grave ou letal, como a fibrose cística ou espinha bífida, é de 3 a 4%, já em um casamento consanguíneo entre primos legítimos (primos de 1° grau), esta chance aumenta e varia entre 6 a 8%; uma porcentagem ainda baixa em números absolutos, mas em famílias com casos de doenças hereditárias causadas por genes recessivos deletérios, os riscos aumentam consideravelmente. Retardo mental, paralisia dos membros inferiores, surdez congênita, má-formação óssea, cegueira congênita (atrofia óptica de Leber) e distúrbios metabólicos de alguns órgãos, como o pâncreas, por exemplo, são algumas das doenças que podem surgir nos filhos de casamentos consanguíneos. Destaca-se que a probabilidade de ocorrência de síndromes de origem cromossômica, como a Síndrome de Down, não aumentam com a consanguinidade. 


Uma pesquisa iniciada no final dos anos 90 pela bióloga Silvana Santos, professora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), detectou alto índice da Síndrome de Spoan (paralisa os membros inferiores, deixando a pessoa paralítica e afeta a visão) entre famílias de algumas cidades dos Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Em algumas localidades da Paraíba, os casamentos entre primos passam dos 40%, e no município de Serrinha dos Pintos (RN), onde esta síndrome foi detectada pela primeira vez, 32% dos casamentos ocorrem entre primos de 1° e 2° graus. 


Para evitar estes problemas, antes de planejar um filho, um casal de primos deve procurar o auxílio de um médico geneticista, que é o profissional mais indicado para oferecer o aconselhamento com base em dados científicos. Nesses casos, o médico geneticista realizará um estudo detalhado, levando em consideração os dados familiares para se chegar a uma estimativa dos riscos do casal ter filhos acometidos por doenças graves. São analisadas três gerações do casal para investigar se existe caso de doença hereditária evidente. Caso exista, é feito um teste para o gene que causa a doença e, a partir do resultado, é possível saber a probabilidade de o filho desenvolver o problema. 


O casamento consanguíneo já foi tema da novela Passione, exibida pela TV Globo em 2010, na qual dois jovens apaixonaram-se, começaram a namorar e tempos depois descobriram que eram primos. O autor da novela deu prosseguimento a esta
estória de amor, e o casal, antes de se casar, procurou aconselhamento de um médico geneticista para conhecer os riscos de terem um filho com uma doença grave.  Esta cena mostrou aos telespectadores da novela uma especialidade médica pouco conhecida – a Genética. 


É interessante destacar que em alguns lugares do mundo o casamento entre primos é considerado tabu, como nos Estados Unidos, onde alguns estados ainda mantêm leis que proíbem este casamento consanguíneo, já em outros países ele é aceito e até mesmo incentivado, como no Paquistão. A história relata casos de alguns homens famosos que se casaram com primas, como o naturalista inglês Charles Darwin (que popularizou a Teoria da Evolução) que se casou com sua prima de primeiro grau chamada Emma Wedgwood e tiveram 10 filhos, todos normais. Outro caso foi o do famoso cientista Albert Einstein (que popularizou a Teoria da Relatividade) que se casou com Elsa Lowenthal, que era sua prima de primeiro grau por parte de mãe. 


Polêmicas à parte, todos sabem que o amor não tem fronteiras, transcendendo até mesmo as barreiras de alguns laços de parentesco, no entanto, os especialistas recomendam não menosprezar as regras da Genética e, caso seja necessário, procurar o aconselhamento de um médico geneticista, pois, afinal de contas, tudo será em nome do amor.

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