ARTIGO

“Construção”

“Construção”

Por Rodrigo Daum

Por Rodrigo Daum

Publicada há 3 anos

Quando nascemos, recebemos uma identidade. Um registro frio e burocrático que nos organiza dentro de um sistema. Uma folha de papel registrada em cartório que nos identifica como seres que existem em determinada ordem social. Dentro do campo da psicologia, nossa identidade nunca está pronta, ela está em constante construção. As frustrações, os conhecimentos científicos, culturais, nossas percepções se transformam e com isso a gente também se percebe de forma diferente a cada dia e acomoda esse novo em nosso interior. 

A novela “A força do querer”, reprisada em horário nobre pela Rede Globo, traz uma importante reflexão – A personagem Ivana, ao longo da trama se descobre “trans”, depois de várias transformações hormonais, físicas e psicológicas, tem uma conversa com a personagem Zuleide, conhecida por Zu. Esta é uma espécie de governanta que trabalha em sua casa desde antes de seu nascimento e que ajudou a criá-la. Nessa nova fase revela: “Eu não pedi para nascer, Zu. Eu demorei para nascer. Eu nasci agora”. Uma cena muito tocante e que nos faz refletir acerca de vários aspectos de nossa vida. 

Curiosamente, eu tenho pensado muito nesse “nascer” simbólico que a personagem traz em sua fala. Faz algum tempo, li um texto da escritora Lígia Guerra que fala desse assunto de forma contrária. Em seu texto, cujo título é “O dia em que morri”, ela traz uma reflexão a respeito de quando nos anulamos como seres humanos e individuais e morremos diariamente. É como se nossa construção como indivíduos ficasse comprometida, como se ficássemos estagnados. A partir daquela leitura comecei a perceber os departamentos de minha vida que mereciam uma atenção especial. 

Percebo que toda vez que caminho, por questão de estética e de saúde, estou optando por uma vida melhor. Durante a caminhada pondero os conflitos do dia, e vejo o que foi positivo para potencializar, e que foi negativo para ressignificar. Isso é (re)nascer. Quando leio um bom texto, um bom livro, vejo uma novela, uma série ou assisto a um filme, trago aqueles ensinamentos para minha vida como forma de aprendizado, estou (re)nascendo a cada reflexão. Estou em processo de construção.  

Quando vou ao médico cuidar da minha saúde física, visito o psicólogo para cuidar da minha saúde emocional, sinto-me muito satisfeito. Estou olhando para mim, descobrindo meus pontos fracos e fortes. Eles me tornam quem sou. Quando preparo um prato, mesmo que seja muito simples mas o faço como se fosse um banquete, não na quantidade e sim na qualidade, no significado, depois o saboreio com toda a pompa possível e em minha própria companhia, descubro que solitude não é solidão. Aprendi o que é autoestima. Estou me (re)construindo. 

Eu adoro uma comprinha. Quem não gosta?! Porém, para não “arrancar os cabelos” no final do mês, planejo os meus gastos e cuido da minha saúde financeira. Estou construindo significados para usar os utensílios e não gastar dinheiro com aquilo de que não preciso. Quando planejo meu tempo para ser proveitoso e fazer tudo de que gosto e de que preciso. Neste momento, escolho a tranquilidade. Quando aproveito cada cantinho da minha casa como se fosse o melhor lugar do mundo – afinal é minha casa. Opto pelo aconchego. 

Percebo ao final de cada dia, de cada semana que estou sempre diferente, pensando diferente. Quando lanço um olhar para um tempo um pouco mais distante então, percebo quão significativas são as mudanças por que passei e continuo passando. Às vezes sinto-me como a personagem Andrea de “O diabo veste Prada”, interpretada por Anne Hattaway, quando se olha no espelho e se assusta com sua transformação. Que a reflexão nos sirva sempre para nos melhorar, para aprender, para mudar o caminho caso aquele em que estamos não esteja do nosso agrado. Que os nossos renascimentos, pequenos ou grandes como o da personagem Ivana, não nos impeçam de nos (re)construir quantas vezes forem necessárias. 

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