ARTIGO

Pastel com caldo de cana

Pastel com caldo de cana

Por Sérgio Piva

Por Sérgio Piva

Publicada há 3 anos

O texto que se desenrolará nas linhas a seguir não é sobre as desventuras e peripécias queixotescas (não, não escrevi errado) de Bolsonaro. A premissa, sim, parte de um protesto, dentre os milhares, do rabugento-mor da ré-pública do Pau-brasil.

"Não tenho paz para absolutamente nada, não posso mais tomar um caldo de cana na rua, comer um pastel. Quando eu saio, vem essa imprensa perturbar." Foi o que disse o Presidente Jair Bolsonaro no dia 10 de novembro de 2020, durante a cerimônia da retomada do turismo. “Minha vida aqui é uma desgraça. É problema o tempo todo, não tenho paz para absolutamente nada”, afirmou o presidente, dentre outras sutis declarações.

Não sei se ele se deu conta ainda de que é o Presidente da República, líder maior do Brasil. Além do mais, se eu, pobre mortal comum, tenho problemas, imagino que o administrador de um país de terceiro mundo tenha muito mais.

Talvez tenha sido uma guinada muito rápida entre o baixo clero e o topo. Por certo o desejo de voar mais alto tenha ofuscado a percepção da altitude almejada. Pode ser que, até a presente data, não saiba a diferença entre não fazer diferença e ser o centro das atenções.

Quem sabe seja por esse mesmo motivo, ser o foco das atenções, que Michael Jackson nunca pode fazer compras no shopping como se fosse qualquer pessoa. Ou muitos outros artistas e autoridades não poderem sair às ruas caminhando como as pessoas “normais”.

Da mesma forma, não há como não dar atenção à declaração de Bolsonaro. Não teria a mesma importância ou repercussão se tivesse sido dita por mim ou pelo Seu Custódio do bar da esquina de casa. 

No dia 7 de janeiro de 2021, Elon Musk, CEO da Tesla e da SpaceX, em um tweet de sua autoria, disse o seguinte: “Use Signal”. Só escreveu isso. O que aconteceria se você ou eu tivéssemos dito a mesma coisa em nosso Twitter, Facebook, Instagram ou qualquer outra rede social? Nada. Nem mesmo o Seu Custódio.

O Signal é um mensageiro instantâneo, rival do WhatsApp, pouco conhecido, até essa declaração de Elon Musk, um dos homens mais ricos do mundo. Depois dela, as ações da Signal Advance, detentora dos direitos do aplicativo, dispararam na Bolsa Americana. Suas Ações subiram até 11.708%. A procura por downloads do aplicativo foi tanta, que a empresa não estava conseguindo lidar com a demanda. 

Lembro-me de um dos maiores clichês dos filmes policiais americanos: “Você tem o direito de permanecer calado, tudo o que disser poderá ser usado contra você num tribunal.” Era a advertência dada pelo policial ao bandido no momento da prisão.

É um bom conselho às pessoas que saíram do anonimato para o estrelato. Serve a todas aquelas que subiram de posto ao show biz ou à vida pública. Ou aos dois conjuntamente, como pode-se ver hoje em dia.

Não haverá mais vida privada. Nem na privada e em lugar nenhum. O anonimato ficou para trás. Dependendo do grau de importância da função ou da incandescência da estrela, pode esquecer o pastel com caldo de cana na rua.

Principalmente nas redes sociais, tudo que disser não poderá ser, geralmente, será usado contra você. Ainda que não diga uma palavra sequer, basta uma imagem postada e mal interpretada que será o suficiente para derrubar o autor da postagem das alturas. E pior, não será usado somente no tribunal (supremo ou monotremo), mas na vida pública real e palpável.

Maldade das pessoas, incompreensão, perseguição política (a clássica). Talvez, em alguns casos. Mas o julgamento sumário, em suma, é sempre motivado pela decepção da plateia, daqueles abaixo do céu estrelado, pisando no barro da criação.

Os personagens da vida pública, os atros e estrelas do mundo verdadeiramente irreal, tendem a ser modelos. E deveriam sê-los. Carimbados com a estampa da ética e a tinta da moral. Afinal, lá em cima, são representantes dos aqui embaixo. 

Representantes, pelo voto, das necessidades e anseios de outrem, nos seios das liberdades. Modelos, pela admiração, dos desejos e sonhos, tidos dormindo ou acordados, muito mais televisados.

Exemplos não faltam e nunca faltarão, no BBB da Globo ou de Cajazeiras, se fazendo de bobo ou falando besteiras. Se repetirão no Planalto e nas feiras, nas primeiras ou nas horas derradeiras.

Diz o ditado, que em boca fechada na entra mosquito. Eu remendo, Facebook fechado não cassa (nem caça) político. Youtube não é um clube, mas palavras ditas tem sempre quem as adube. É fato, é maquitube.

Martin Luther King Jr., Nelson Mandela, Mahatma Gandhi, e tantos outros líderes, revolucionaram o mundo com suas palavras em um tempo em que elas viajavam muito mais lentamente.

Também pagaram um preço elevado pelo que disseram, mesmo com a clara intenção de estarem lutando pela melhoria da condição das vidas de outras pessoas, não tão somente deles mesmos. 

Imagine, então, usar palavras que não acrescentam, que não modificam a vida para melhor ou que vão na contramão de tudo isso. Quais seriam (e são) os resultados, sejam eles imediatos ou a longo prazo? 

Quais forem, serão julgados pelos homens (as redes, as cortes, as bocas).

Quem sabe, por Deus, pelo Universo ou qualquer outra força superior que esquecem ou fingem não existir. 

Deixo, por fim, a advertência do escritor Marcelo Liessi: “Cuidado com o que fala, alguma pessoa inteligente pode escutar”. Daí para frente poderá não haver mais pastel, nem céu, somente réu. 

Será a desgraça da graça. Não haverá caldo, nem de cana nem de galinha que levante a prudência. Sobrará mesmo só a cana, metafórica ou literal. Qualquer que seja, será fatal. Não será mais o tal, só o lobo mal.    



Sérgio Piva

s.piva@hotmail.com

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