ARTIGO

O QUE APRENDI NA ALA COVID

O QUE APRENDI NA ALA COVID

Por Dr. Washington Henrique da Conceição

Por Dr. Washington Henrique da Conceição

Publicada há 3 anos

Hoje estou no meu 360º dia de isolamento social e no 300º dia de cuidado a pacientes acometidos pela COVID. Não quero romantizar tudo isso que estamos vivendo. Muito menos participar dessa onda de pessimismo dos meios de comunicação. Mas quero dizer “sim, a tempestade passará, a humanidade sobreviverá, a maioria de nós estaremos vivos – mas habitaremos um mundo diferente."(Yuval Harari). E é sobre essas mudanças que a COVID provoca que quero escrever. Hoje sou um médico diferente, sou uma pessoa diferente, e tudo isso graças a tantas histórias que vivi.

Quero contar a história de um pai que invadiu a Ala COVID da Santa Casa de Fernandópolis após sua filha ser intubada. Ele chorava e entre gritos pedia que a salvássemos. Depois de um tempo e muito diálogo ele se acalmou. No fim da conversa olhou para a equipe e disse que éramos heróis, pediu que nos cuidássemos, pois, a vida de muitas pessoas dependia de nós. Mesmo com tanta dor lembrou-se do outro. Naquele momento lembrei que quando tive COVID também vivi a experiência de ser cuidado, de ser amparado e amado. Naquela noite aprendi que a vida das pessoas a nossa volta depende de nossas ações, e que nós dependemos das ações dos outros. Co-responsabilidade, empatia, solidariedade são palavras que aprendi naquela noite e que busco relembrar todos os dias. 

Também quero contar histórias das equipes em que trabalho. Apesar do senhor acima ter nos chamados de heróis, quero dizer que somos apenas seres humanos. Com eles aprendi que sempre podemos fazer mais, apesar de tanta politização em torno de leitos e vacinas, apesar de não ser de hoje que o SUS sofre com a falta de recursos, apesar de tantas coisas eles não deixam a “peteca cair”. Tenho orgulho deles, tenho orgulho de chamá-los de amigos.

Estive na UPA de Fernandópolis esses dias e apesar do horário avançado, muitos dos que encerraram seu turno às 19h continuavam no trabalho. Estimados amigos vocês honram suas profissões. Honram os mais de dois mil profissionais da saúde que partiram no meio dessa batalha. Vocês me ensinam que não somos heróis, mas apenas seres humanos que entenderam a palavra diaconia. Vocês me ensinam que não precisamos de heróis, mas apenas de pessoas que aprenderam a ver a beleza da arte do encontro, embora haja tantos desencontros. Vocês me lembram as palavras de Exupéry “temos sempre algo para dar: um pouco de alegria e muita esperança, um pouco de verdade e muito otimismo, um pouco de ânimo e acolhimento a esse mundo desnorteado, violento, de coração vazio, cansado de frustrações e tédio. Apesar de tudo, temos sempre algo para dar. Em um mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo verdadeiro”. Obrigado por serem verdadeiros amigos, que um dia possam ouvir do próprio Cristo: vinde benditos de meu Pai, pois estive enfermos e me visitaste (cf. Mt 25, 36) 

Por fim, gostaria de falar aos pacientes que estão internados na Santa Casa de Fernandópolis, e dos tantos outros que estão em inúmeros hospitais. Pessoas que neste instante lutam por suas vidas. Vocês me ensinam que apesar do cansaço não posso desanimar, ensinam a ser grato por cada batimento do coração, ensinam a ser grato pelo tempo já vivido. 

Muitas são as perguntas sem respostas, muitas são as angústias e lágrimas, mas por vocês posso dizer que a nossa fé e esperança são maiores que o medo que nos cerca, e a esperança não nos decepciona (cf. Rm 5,5). Por vocês sempre estaremos lá, mesmo que seja com lágrimas nos olhos, afinal de contas somos apenas seres humanos, não temos capa nem super poderes, somos apenas gente cuidando de gente. 


Dr. Washington Henrique da Conceição, médico geriatra e Seminarista da Diocese de Jales

Jales, 18 de março de 2021.

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