ARTIGO

Quanto vale a vida?

Quanto vale a vida?

Por Matheus Albergaria

Por Matheus Albergaria

Publicada há 3 anos

Na última semana, o Brasil alcançou a triste marca de 500.000 óbitos por COVID-19. Este resultado, além de extremamente lamentável de um ponto de vista social, tem sérias consequências para as famílias brasileiras atingidas pela pandemia. Mais do que isso, as vidas perdidas também correspondem a um importante custo econômico para a sociedade, uma vez que passa a haver um número permanentemente menor de pessoas atuando como trabalhadores, investidores e consumidores na economia.

Uma importante questão relacionada a esse trágico acontecimento é a seguinte: qual é o valor da vida, medido em unidades monetárias? Ou seja, seria possível medir o valor de cada vida perdida em reais, assim como o custo econômico associado ao número de óbitos registrados no período recente? Questionamentos nesses moldes são extremamente relevantes no atual momento, uma vez que permitiriam uma melhor compreensão da magnitude das perdas econômicas associadas à pandemia, facilitando a tomada de decisão de distintas esferas de governo. Em princípio, formuladores de políticas públicas, ao lidarem com potenciais soluções alternativas relacionadas à pandemia deveriam ser capazes de comparar os custos e benefícios associados a cada uma das alternativas disponíveis, o que somente ocorreria caso esses custos e benefícios fossem expressos nas mesmas unidades de medida (ou seja, em valores monetários).

À primeira vista, parece muito difícil falar do valor monetário da vida em si, uma vez que algumas pessoas podem crer que a vida tem valor infinito (seria difícil imaginar que qualquer pessoa estaria disposta a perder a vida em troca de uma determinada quantidade de dinheiro, por exemplo). Ainda assim, vale destacar que um raciocínio nesses moldes pode ser enganoso, uma vez que há pessoas na sociedade que estão, de fato, dispostas a correr riscos no dia-a-dia, em troca de potenciais ganhos econômicos. A título de exemplo, vale destacar que alguns profissionais - como operários da construção civil que trabalham em arranha-céus ou operadores de empresas de energia que fazem a manutenção de redes elétricas - estão mais dispostos a assumir riscos ocupacionais do que outros em troca de maiores salários.

Ao longo das últimas décadas, os economistas chegaram a uma maneira engenhosa de atribuir um valor monetário à vida humana. Especificamente, uma forma dos economistas atribuírem valor à vida humana corresponde a analisar os riscos que as pessoas estão voluntariamente dispostas a se expor e o quanto elas deveriam receber para correr esses riscos. Assim, ao compararem os ganhos salariais de distintas ocupações profissionais, controlando para diferenças em termos de nível de instrução, experiência e outros possíveis determinantes dos salários, economistas chegaram a uma estimativa inicial do valor da vida. Alguns estudos estimaram que a vida humana vale, em média, cerca de US$ 10 milhões (dez milhões de dólares).

Levando em conta essa última estimativa, podemos ter uma noção dos custos econômicos associados à perda de 500.000 vidas no Brasil. As vidas perdidas ao longo do período pós-pandemia correspondem, em média, a um custo monetário de US$ 5.000.000.000.000,00 (cinco trilhões de dólares) ou R$ 25.086.000.000.000,00 (aproximadamente vinte e cinco trilhões e oitenta e seis bilhões de reais, levando em conta uma taxa de câmbio de R$ 5,00 por US$ 1,00). Ou seja, olhando apenas para o número de óbitos registrados desde o início da pandemia no país - sem levar em conta as perdas econômicas decorrentes do fechamento de empresas, das perdas de postos de trabalho e do aumento do custo de vida das famílias - observamos a ocorrência de um custo econômico superior a 25 trilhões de reais ao longo de um período de um ano e meio, aproximadamente.

Embora reveladora, essa estimativa inicial do custo econômico da pandemia - em termos de vidas perdidas - apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar, vale destacar que o valor calculado pode corresponder a uma estimativa enviesada dos custos da pandemia no país, uma vez que não leva em conta outros importantes custos de oportunidade das pessoas que perderam a vida no período recente. Em segundo lugar, caso ocorra uma subnotificação do número de óbitos no país - conforme parece ser a situação atual - é possível que haja um viés para baixo do valor monetário das vidas perdidas. Ou seja, há a possibilidade de que a estimativa apresentada corresponda a um valor inferior ao verdadeiro custo das vidas perdidas.

Como resolver essas limitações inerentes ao cálculo do valor das vidas perdidas no país? Uma possível solução seria a preparação de pesquisas adicionais que tentassem estimar o valor monetário das vidas perdidas a partir de dados mais precisos, tanto em termos de notificação do número de óbitos quanto da estrutura ocupacional dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros falecidos no período recente. Outra possibilidade complementar seria a estimação conjunta das perdas econômicas ocorridas no país, tanto em termos de vidas quanto em termos de fechamento de empresas e postos de trabalho, por exemplo. Em princípio, estudos nesses moldes poderiam gerar estimativas mais precisas dos custos associados à pandemia. Em termos gerais, tentativas de cálculo do valor monetário da vida podem ser extremamente importantes no atual momento vivido pelo país, uma vez que permitiriam uma melhor compreensão da magnitude das perdas econômicas associadas à pandemia. Cada vida perdida importa (e tem valor).


Matheus Albergaria, professor de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP)

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