Considerada um dos principais e mais recorrentes problemas de saúde mental, comungando uma prevalência que alcança até 20% da população mundial, a depressão impacta o meio social, sendo julgada a segunda patologia a causar mais prejuízo na esfera econômico-social. No campo da saúde, provoca uma carga global de comorbidades, a qual afeta doenças crônicas e dificulta o tratamento, sendo seu atendimento apontado como desafio para a área da saúde pública (MOLINA et al., 2012; MOTTA; MORÉ; NUNES, 2017). O plano de Ação Global de Saúde Mental 2013-2020 da OMS consolida a concepção de que centros comunitários de atenção básica à saúde devem efetuar o atendimento à saúde mental (WHO, 2013).
A depressão é o maior contribuinte individual para a deficiência global e, em esfera global, o número total de pessoas com depressão foi estimado em mais de 300 milhões em 2015, o equivalente a 4,4% da população mundial (WHO, 2017), com possibilidade de se tornar a segunda maior carga de doença até 2030. Vem acompanhada por uma série de transtornos de ansiedade, o que leva muitas pessoas a experimentarem outros transtornos mentais comuns, com perdas enormes para a saúde. A depressão é o principal componente de mortes por suicídio, que chegam perto de 800.000 por ano (WHO, 2017). Acredita-se que, atualmente, cerca de 450 milhões de pessoas sofram de perturbações mentais ou neurobiológicas no mundo, destacando-se a depressão como a principal causa de incapacitação.
Os casos de depressão, associados à ansiedade responsável pelo 6º lugar dos distúrbios mentais, geram diminuição da qualidade de vida das pessoas (LEÃO et al., 2018). A evolução no sentido de reduzir os estados depressivos a partir de 2020 indica que as metas globais podem ser alcançadas em 2030 somente se houver um compromisso coletivo nos próximos 10 anos em âmbito mundial, por meio de investimentos maciços e esforços ampliados a partir das esferas nacionais relacionados a políticas, leis e programas de saúde mental e serviços. Em que pese o progresso constante e visível na adoção de indicadores básicos de saúde mental, o Atlas de Saúde Mental 2020 mostra enormes desigualdades na disponibilidade de recursos de saúde mental e sua alocação entre países de alta e baixa renda e entre regiões. A OMS estima que, em média global, 40% das pessoas com depressão utilizam serviços de saúde mental (WHO, 2021).
A depressão, que acomete cerca de 5,8% da população brasileira (ALVES, 2014), é considerada um transtorno multifatorial, apresentando fatores de risco diversificados, como “afetividade negativa, experiências adversas na infância, eventos estressantes, familiares de primeiro grau com diagnóstico, transtornos subjacentes, condições médicas crônicas ou incapacitantes” (LEÃO et al., 2018, p. 56). O risco de ficar deprimido é potencializado pela pobreza, desemprego, eventos da vida, como a morte de um ente querido ou o término de um relacionamento, doenças físicas e problemas causados pelo uso de álcool e drogas (WHO, 2017, 2021).
Apesar de maior incidência nas idades médias, a depressão pode afetar pessoas de todas as idades e de todas as esferas da vida e, hoje, cresce de forma mais intensa durante a adolescência e no início da vida adulta. Os transtornos depressivos se alternam em gravidade, de branda a muito grave; ocorrem muitas vezes esporadicamente, mas podem ser recorrentes ou crônicos, atingindo principalmente mulheres, consideradas mais vulneráveis aos estados depressivos devido à oscilação hormonal a que estão expostas principalmente no período fértil.
A depressão é uma doença psiquiátrica, crônica e recorrente, caracterizada por tristeza ou irritabilidade, desinteresse ou desprazer, falta de motivação, sentimento de culpa ou baixa autoestima, diminuição do comportamento adaptativo, distúrbios do sono ou apetite, fadiga ou cansaço, distúrbio da atividade motora, dificuldades cognitivas e de concentração, e ideias recorrentes de morte ou tentativas de suicídio (RUFINO et al., 2018). Arantes (2007) e Molina et al. (2012) relatam que 15% dos pacientes com transtorno de humor cometem suicídio e pelo menos 66% de todos os suicídios são precedidos por depressão.
Embora seja caracterizada como um transtorno persistente de humor (ARANTES, 2007), Atkinson et al. (2002) consideram a existência de quatro conjuntos de sintomas comuns na depressão: sintomas emocionais (tristeza, perda de prazer), cognitivos (visão negativa de si mesmo, desesperança, enfraquecimento da concentração e memória), motivacionais (passividade, falta de iniciativa e de persistência) e físicos (mudança do apetite e sono, fadiga, aumento de dores e mal-estar nas atividades). Para ser diagnosticado como depressivo, o paciente deve apresentar todos esses sintomas e quanto mais sintomas ele manifestar e mais intensos eles forem, maior a certeza de que o indivíduo sofre dessa patologia.
Por sua vez, a ansiedade, identificada como uma das razões importantes da depressão, traduz uma emoção própria da vivência humana, considerada uma reação natural e fundamental à autopreservação, mesmo provocando sensações de apreensão e alterações físicas desagradáveis (ALVES, 2015; CLAUDINO; CORDEIRO, 2016). Da mesma forma que atua como um instinto de autopreservação, a ansiedade, quando excessiva e de duração prolongada, pode ter “repercussões negativas para o indivíduo [...], pois em vez de contribuir para o confronto da situação que causa ansiedade, limita, dificulta ou impossibilita a sua capacidade de adaptação” (CLAUDINO; CORDEIRO, 2016, p. 200).
Quando associada à ansiedade, a depressão pode interferir significativamente na vida diária, nas relações sociais e no bem-estar geral de jovens e adultos. Em sua condição patológica, a ansiedade se apresenta frequente e intensa, com sintomas que podem causar grande sofrimento e prejuízo na vida cotidiana, como evasão escolar, abandono de emprego e abuso de substâncias (DCM-5, 2014; FERNANDES et al., 2018; LEÃO et al., 2018). É importante realçar que situações de ansiedade acontecem a quaisquer pessoas, sejam jovens ou não, e que, em algum momento de suas vidas, já experimentaram sentimentos temporários de tristeza transitória, provocada por acontecimentos desagradáveis, inerentes à vida de todas as pessoas, como a morte de uma pessoa, uma decepção amorosa, desentendimentos familiares, dificuldades econômicas etc., sem que seja diagnosticada a depressão.
Se a depressão começar a dominar o espírito e o corpo, o organismo ressente-se, e o indivíduo passa a ter sintomas a ela associados: embora tais sintomas sejam sentidos ou discretamente vivenciados, as pessoas podem pensar que nada têm a ver com sintomas depressivos. É oportuno enfatizar que tais sintomas alteram a forma de vida em seus mais diferentes aspectos e impõem uma tristeza profunda, perda de interesse por tudo em seu entorno, perda de prazer pelas atividades que antes lhes davam gozo, insônia, pessimismo e sentimentos de inutilidade, perda de apetite e pensamentos recorrentes sobre morte. Em tempos atuais, há de se tomar em conta qualquer alteração emocional que perturbe o decurso normal da vida, e a busca rápida por ajuda se faz necessária para superar a situação e prevenir a transformação do evento em patologia (CLAUDINO; CORDEIRO, 2016).
Intervenções psicossociais, como serviços de atendimento à saúde mental, objetivam “resolver crises vitais e remover sintomas agudos em quadros de transtornos mentais, propiciando melhor adaptação do indivíduo à sociedade e ao trabalho, bem como dando apoio para o melhor enfrentamento das situações desadaptativas” (MOLINA et al., 2012, p. 196). Nesse sentido, para o atendimento à depressão, a Atenção Básica dispõe de um conjunto de políticas e modelos de atendimento integral do usuário, envolvendo aspectos socioculturais do adoecimento e cuidados à saúde em perspectivas contextuais e institucionais, com uma abordagem da dimensão psicossocial e comunitária na construção dos processos de saúde e doença. Serve-se do conjunto de ações técnico-assistenciais que sustenta as práticas dos profissionais, entre as quais a psicoterapia, individual (mecanismo eficaz no atendimento individual) e grupal, altamente recomendada, que representa valioso instrumento dessas práticas. Os processos de intervenção dos profissionais requerem atuação ampliada, com interação dos diferentes campos do conhecimento no desenvolvimento do projeto terapêutico (CAMPOS et al., 2014).
Nesse cenário, o trabalho do psicólogo se orienta por conceitos norteadores do contexto institucional, como clínica ampliada e compartilhada, e em diretrizes de inclusão das ações em saúde mental na Atenção Básica (MOTTA; MORÉ; NUNES, 2017). Do profissional psicólogo se requer atuar em perspectiva generalista na atenção curativa por meio de atividades de prevenção e promoção de saúde com foco na família e na comunidade – ações articuladas da prática dos psicólogos com o atendimento clínico em saúde mental, por meio de escuta sensível da demanda. Em sua atuação, há que considerar as circunstâncias para a elaboração de projetos terapêuticos com vistas ao cuidado integral do usuário diagnosticado com depressão. Considere-se que um atendimento individualizado permite atenção personalizada e direcionada ao processo patológico, enquanto o atendimento grupal constitui intervenção que se apoia no fortalecimento ou na construção de redes sociais como fator de saúde (FERREIRA NETO; KIND, 2010).
Todo esse conjunto de recursos, acrescido das políticas de atenção à saúde mental, representam ferramentas que possibilitam ao profissional de Psicologia “atender o paciente com depressão a partir de perspectiva psicossocial, a qual contribui para o atendimento integral ao usuário, buscando a superação de modelos tradicionais de saúde mental” (MOTTA; MORÉ; NUNES, 2017, p. 912).
A depressão é uma doença que pode ocorrer em qualquer fase da vida, da infância à velhice, cujos sintomas são variáveis, mas tende a levar o ser humano a um estado de desânimo e perda de interesse pela vida: se não tratada, pode conduzir o paciente à morte ou cometimento de suicídio, especialmente quando se trata da depressão patológica, diferentemente da tristeza transitória. É natural que as pessoas sofram adversidades, se entristeçam, mas conseguem encontrar a superação. Quando se instala a depressão, porém, a tristeza e o desânimo não cessam: sem causa aparente, desaparece o interesse pelas atividades que proporcionam prazer e sensação de bem-estar. O diagnóstico precoce é a melhor via para tratar a patologia, mas o acompanhamento por profissionais médicos, psicólogos e outros profissionais da área da saúde se faz necessário porque, mesmo diante de melhora nas crises, os pacientes permanecem com alto risco de passar por novos surtos depressivos.
Psicólogo André Marcelo Lima Pereira
Email: andremarcelopsicologo@hotmail.com
REFERÊNCIAS
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