O “contrato psicológico é um acordo tácito resultante da relação laboral que traduz a expectativa do funcionário (trabalhador) em relação ao empregador e vice-versa. Este acordo, quando salvaguardado entre as partes, visa contribuir para o bem-estar da organização e o comprometimento e empenho dos trabalhadores para com a organização, evidenciando valores assentes no respeito, confiança e laços entre as partes” (SOMA, 2017, p. 226). Isso significa dizer que o contrato psicológico incorpora mais do que expetativas individuais e organizacionais, alcança perspectivas do trabalhador por sentir-se elemento essencial da organização, que passa a adotar atitudes e comportamentos de acordo com sua percepção da realidade, portanto. Os contratos psicológicos não são escritos, mas estão presentes em todo o momento entre os membros da organização (SCHEIN, 1980). O contrato psicológico torna-se importante elemento nos processos de trabalho quando os gestores das organizações reconhecem a necessidade de possuírem funcionários motivados (JUNGBLUT, 2015).
Zanelli, Borges-Andrade e Bittencourt (2014, p. 227) consideram que o “contrato psicológico é um esquema cognitivo, que envolve um conjunto de percepções e crenças sobre as promessas, implícitas ou declaradas, sentidas pelos empregados acerca da organização”. Pantaleão (2011, p. 7) reforça que os “contratos psicológicos são as expectativas e crenças dos indivíduos a respeito das obrigações recíprocas entre eles e suas organizações. O contrato psicológico é criado de forma espontânea e não faz parte do acordo formal entre empregado e empregador”. Lopes, Dias e Castro (2012, p. 269) reafirmam que o modo como os “indivíduos atuam e se relacionam em contexto organizacional não se circunscreve exclusivamente aos contratos formais”. Refere-se ao comprometimento organizacional de como cada indivíduo percebe a motivação de seu vínculo com a organização: se afetivo, reflete um desejo e um contrato psicológico equilibrado; se instrumental, reflete uma necessidade; se normativo, reflete uma obrigação. Em uma relação de trabalho aberta e dinâmica, organização e empregado têm vantagens, o comprometimento afetivo se estabelece de forma natural e os benefícios intercambiados estão presentes: interesse e valores são compartilhados, e as promessas propostas pela organização são atrativas.
Esse conjunto de crenças forma um esquema que existe mesmo antes de o empregado ingressar na organização, formado por profissões, carreiras, cargos e pela própria imagem que a organização exterioriza socialmente. Durante o processo de recrutamento e seleção, o contrato psicológico prospectado sofre alterações, porque a organização propõe novas promessas ao empregado de forma mais clara e objetiva; por sua vez, os empregados também fazem as suas propostas à organização. Na realidade, o “contexto organizacional é extremamente rico em eventos, objetos, pessoas que despertam reações múltiplas, tanto afetivas como cognitivas e comportamentais. Os esquemas desenvolvidos pelas pessoas e compartilhados pelos grupos têm um grande poder de moldar reações individuais e coletivas” (ZANELLI; BORGES-ANDRADE; BITTENCOURT, 2014, p. 227).
O contrato psicológico é formado por uma série de eventos relacionados entre indivíduos e organização, incorporados em relação contínua: expressa atributos de emoção e afeto exteriorizados por uma parte em relação à outra, instrumentos que definem e guiam o contrato psicológico entre as partes (SOMA, 2017). Por isso, a confluência entre as necessidades, as expectativas e os valores pessoais, grupais e organizacionais, que caracterizam o contrato psicológico, assume cada vez mais importância. Do gestor se requer expressar, de forma clara, a motivação como uma teoria da ação, atendendo a três abordagens: ação no contexto de determinada organização; existência de meta claramente estabelecida e compartilhada, que oriente a ativação da ação; origem dessa ativação (necessidade pessoal ou meta a ser atingida). O propósito sempre deve ser o de identificar necessidades e expectativas, procurando contemplá-las, observando limites e possibilidades, de forma a restaurar, manter ou fortalecer contratos psicológicos eficazes (CORREIA; MAINARDES, 2010).
A quebra do contrato psicológico, que envolve aspectos emocionais e afetivos, pode significar uma das causas mais frequentes para a mortalidade organizacional. Quando é quebrado o contrato emocional ou psicológico, “os clientes deixam de comprar a produtividade dos trabalhadores, os fornecedores reagem mais lentamente, os parceiros afastam-se, os acionistas desfazem-se das ações e o apoio comunitário evapora-se” (SOMA, 2017, p. XVII). Correia e Mainardes (2010), Camargo e Henriques (2014), Jungblut (2015) e Lima (2016) esclarecem que a percepção de quebra de contrato se associa a consequências negativas, tais como menor confiança dos empregados e satisfação com o trabalho, comprometimento organizacional, intenções de permanecer no trabalho, desempenho e comportamentos do trabalhador, aumento de absenteísmos. Alterações podem ocorrer desde que não ultrapassem os limites aceitáveis para manter o contrato psicológico equilibrado, sem consequências para o comprometimento e o desempenho (CORREIA; MAINARDES, 2010).
Na quebra do contrato psicológico, existe a percepção de que a organização não cumpriu as suas promessas e de que o empregado auferiu menos do que lhe foi prometido: cria-se, dessa forma, um desequilíbrio ou discrepância entre o prometido e o cumprido, induzindo expectativas não confirmadas, vantagens ofertadas e não asseguradas, perda da confiança, frustrações e insatisfação com o trabalho (LEIRA; PALMA; PINA E CUNHA, 2006; ALMEIDA, 2016). Para Sobral (2016, p. 30), a quebra de um contrato psicológico “vai além de uma expectativa frustrada, atinge a própria relação entre as partes, e a recomposição de uma relação não é facilmente obtida”.
Para Silva, Santos e Caetano (2010, p. 11-12), o contrato psicológico é a forma de atuação das pessoas na organização. Quando uma organização consegue corresponder às crenças e expetativas dos seus trabalhadores, estes tendem a adotar comportamentos de cidadania organizacional, implementar a confiança e compromisso na organização e expressar a satisfação com o trabalho, de forma a garantir segurança ao contrato psicológico. Caso ocorra o contrário, com ruptura desse contrato, os trabalhadores “abandonarão a atitude de lealdade e adotarão apenas uma atitude de cumprimento das funções”, o que não interessa à organização. O importante para a organização é evidenciar valores como respeito, diálogo, compromisso, justiça e a não violação desses sentimentos, para não ensejar formas de traição e para garantir elementos de segurança e motivação do trabalhados, da mesma forma como evitar o surgimento do turnover, a ruptura do contrato psicológico e a mortalidade organizacional (SCHEIN, 1980).
Lima (2016, p. 81) evidencia as principais consequências da quebra do contrato psicológico: decréscimo dos níveis de satisfação; incremento dos sentimentos de injustiça; erosão da confiança; quebra do sentido do dever de lealdade; raiva; ressentimentos; aumento do turnover e da vontade de abandonar a organização; redução dos níveis de desempenho e elevado nível de estresse, com comprometimento da saúde mental do trabalhador. Sobral (2016) acrescenta a possibilidade de saída do empregado e a obrigação do empregador em pagar as diferenças salariais caracterizadas e direitos do trabalhador.
Quando o indivíduo entra para uma organização e manifesta confiança no empregador, o risco de uma quebra de contrato psicológico tende a ser menor (LIMA, 2016). Com o objetivo de se evitarem quebras e violações dos contratos, França e Rodrigues (2011), Lopes, Dias e Castro (2012) e Lima (2016) destacam a importância de se conhecerem indicadores que identifiquem semelhanças e diferenças entre as pessoas com o trabalho e com a empresa como forma de identificar possíveis falhas na manutenção de um contrato que atenda as expectativas de ambas as partes. Devem ser consideradas: necessidades pessoais; necessidades da empresa; prioridades para o empregado e para a empresa; contraste entre prioridades e necessidades do empregado e da empresa; probabilidades de sucesso ou fracasso das expectativas; ponderação dos estilos de poder e regras grupais; eficácia dos incentivos, direitos e deveres; influência das associações de classe; nível de profissionalismo da gestão de pessoas; equilíbrio de troca entre empregado e empresa.
Não se devem, também, ignorar ou desconhecer riscos, dificuldades de capacitação, mudança profissional e condições socioeconômicas. França e Rodrigues (2011, p. 145) enfatizam que desconhecer os riscos pode transformar o ideal de trabalho em “neurotização” do trabalhador, por isso ajustes tornam-se necessários, tais como: expectativas entre empregado e empresa; maior número de informações sobre as características do trabalho e da cultura organizacional; criação de vínculos positivos entre empresa-empregado; redução de áreas de atrito; clareza dos papéis ocupacionais; melhor administração dos conflitos e frustrações; melhoria do desempenho profissional; maior receptividade às mudanças e diminuição de especulações; apoio ao projeto de vida do empregado com relação à empresa e vice-versa; fortalecimento do autoconceito e da imagem da empresa.
A quebra do contrato psicológico evidencia as consequências negativas direcionadas ao trabalhador: o não reconhecimento por sua dedicação e engajamento, frustração de expectativas não atendidas, insatisfação no trabalho, decréscimo da confiança na empresa, desmotivação e absenteísmo, indisposição de não permanecer no trabalho, baixo desempenho, alterações comportamentais entre outras, além dos efeitos negativos à empresa. Vale lembrar que tais consequências decorrem do contrato psicológico porque é um fenômeno subjetivo, cognitivo, que tem a ver com a percepção dos sujeitos e, iniciada antes mesmo do emprego com o desenho de suas expectativas.
Psicólogo André Marcelo Lima Pereira
Email: andremarcelopsicologo@hotmail.com
REFERÊNCIAS
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CAMARGO, M.; HENRIQUES, A. L. M. Contrato psicológico: um fator implícito do contrato individual do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 44, p. 219-250, 2014.
CORREIA, R.; MAINARDES, E. W. O desenvolvimento do contrato psicológico orientado para desempenhos de elevado rendimento. Psico, v. 41, n. 2, p. 266-277, abr./jun. 2010.
FRANÇA, A. C. L.; RODRIGUES, A. L. Stress e trabalho: uma abordagem psicossomática. 4. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011. 191 p.
JUNGBLUT, A. Contratos psicológicos no trabalho: aspectos teóricos. Revista EDUICEP – Revista Educação (ICEPSC), v. 1, n. 1, p. 01-18, 2015.
LEIRA, A. C.; PALMA, P. J.; PINA E CUNHA, M. O Contrato psicológico em organizações empreendedoras: perspectivas do empreendedor e da equipa, Comportamento Organizacional e Gestão, v. 12, n. 1, p. 67-94. 2006.
LIMA, E. C. Análise de contratos psicológicos como ferramenta de gestão de pessoas em um Centro de Ensino da Universidade Federal de Santa Catarina. 2016. 190 f. Dissertação (Mestrado Profissional) – Centro Socioeconômico, Programa de Pós-Graduação em Administração Universitária, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2016.
LOPES, I. M. P. F.; DIAS, J. H.; CASTRO, F. V. Contrato psicológico na administração pública portuguesa: termos do seu conteúdo. International Journal of Developmental and Educational Psychology, INFAD Revista de Psicología, Badajos, España, v. 4, n. 1, p. 267-279, 2012.
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SILVA, V.; SANTOS, S. C.; CAETANO, A. O papel da confiança organizacional antes e depois da mudança organizacional. In: VII Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia. Atas...Universidade do Minho, 2010. p. 2327–2342.
SOBRAL, C. K. Contrato psicológico: uma análise dos julgados do TRT da 6ª Região do Brasil. 2016. 105 f. Dissertação (Mestrado em Gestão Empresarial) – Faculdade Boa Viagem - DeVry. Recife, 2016.
SOMA, M. T. M. A relevância do contrato psicológico nos serviços públicos em Angola. 2017. 276 f. Tesis (Doctorado en Psicología y Antropología) – Departamento de Psicología y Antropología, Universidad de Extremadura, Badajoz, Espanha, jul. 2017.
ZANELLI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J. E.; BITTENCOURT, A. V. (orgs.). Psicologia, organizações e trabalho no Brasil 2. ed. Porto Alegre: Editora Artmed, 2014. 609 p.