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Libras: a construção do conhecimento pela criança surda

Libras: a construção do conhecimento pela criança surda

Publicada há 7 anos



Por Breno Guarnieri


Hoje se sabe que a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) não é utilizada apenas como forma de comunicação, mas, é por meio dela que se constitui o pensamento, logo, toda a reflexão e as diferentes aprendizagens humanas. Por isto, seu papel nas salas de aula é incontestável, pois representa não apenas um facilitador na interação entre o aluno com deficiência auditiva e o professor ou com os colegas de classe, porém, um instrumento importante para a construção de significados e acesso aos conteúdos socialmente produzidos. Baseado nisto, a intérprete de Libras, Mayra Raquel Nunes Branco, explica durante entrevista à Reportagem de “O Extra.net” as especificidades deste tema, bem como o papel no processo de inclusão social.


EXTRA: Como você define a importância de um profissional saber a Língua Brasileira de Sinais?

MAYRA: Mesmo com a presença do Intérprete de Libras, acredito ser muito importante, não só os profissionais em suas diversas áreas, mas também a sociedade saber Libras, pois é um idioma que promove a inclusão social das pessoas surdas. Por exemplo, na área da educação, se o professor souber Libras, o relacionamento e o vínculo com o aluno serão melhores. O aluno terá autonomia em suas interações e relações, lembrando que a presença do Intérprete será sempre imprescindível, pois não é possível ministrar aulas falando a língua portuguesa e sinalizando a Libras concomitante. Por isso, ter conhecimento em LIBRAS é um grande diferencial, atualmente. O mercado oferece muitas vagas para Intérpretes devido à legislação que estabelece o direito do indivíduo surdo de ser atendido em seu idioma em qualquer instituição pública. Assim, como ainda existem poucos profissionais qualificados, são muitas as oportunidades para aqueles que sabem utilizar esse meio de comunicação.




EXTRA: Quais as atividades que seus alunos realizam? Quais são as maiores dificuldades enfrentadas por eles?

MAYRA: Em sala de aula o meu papel é o de interlocutor. As aulas são de responsabilidade do professor, o intérprete faz a interpretação das aulas para a Libras e vice-versa. Os alunos surdos realizam todas as atividades que os alunos ouvintes realizam, sendo necessária em alguns momentos a adaptação curricular para atender as peculiaridades do indivíduo surdo. Quanto às dificuldades, estas não se apresentam pela surdez em si, mas sim por outros aspectos, como por exemplo, o preconceito ainda existente na sociedade, o desrespeito ao cumprimento de leis já vigoradas, a diferença linguística entre os surdos e ouvintes, o que não ocorre na inclusão das outras deficiências. Um ponto que não pode ser desconsiderado nesta problemática é o fato de que a maioria dos surdos vem de famílias ouvintes que usam o português na modalidade oral, o que é inacessível à maioria, sendo que muitos destes alunos chegam a escola sem a aquisição de uma língua, nem mesmo da Libras. E somente a presença do intérprete de Libras não é a solução para a inclusão do aluno surdo, há a necessidade de uma metodologia de ensino que seja compatível com esse aluno, que não privilegie unicamente o método auditivo, o que é uma barreira para esse educando com surdez, e que se utilize na sala de aula, de forma interativa e inclusiva uma abordagem de ensino que faça com que esse aluno se sinta sujeito de sua própria aprendizagem. Por isso, na escola em que trabalho, a EMEF José Zantedeschi de Fernandópolis, temos desenvolvido vários projetos na área da inclusão, dentre estes, o projeto de aulas de Libras para os alunos ouvintes, o que tem contribuído para melhor interação e envolvimento dos alunos surdos com a comunidade escolar.


EXTRA: Em sua opinião, a falta de professores qualificados em sala de aula prejudica o aprendizado de um aluno surdo nas escolas?

MAYRA: Sim, e esta qualificação não vejo só em relação ao domínio do idioma Libras, mas o conhecimento do mundo do surdo e de sua cultura, pois a diferença não esta só no fato de indivíduos ouvirem e não ouvirem, mas a forma diferente de apreensão e percepção de mundo de ambos. Para tal, é necessário contato com a comunidade surda, conviver com a diferença para entendê-la e respeitá-la.




EXTRA: A Língua de Sinais possui estrutura gramatical própria? Quando você percebe que o aluno não domina, o que você faz?

MAYRA: Como qualquer outra língua, ela apresenta uma estrutura gramatical própria, com seus aspectos semânticos, sintáticos, morfológicos, entre outros. O que a diferencia das demais línguas usadas hoje é a sua modalidade, em vez do som, utiliza os sinais como meio de comunicação. Nela, os sinais são marcados por movimentos específicos realizados com as mãos e combinados com expressões faciais e corporais. Caso o aluno não domine a Libras, iniciamos o processo de ensino da mesma, apresentando à família a importância desta língua para o desenvolvimento do seu filho, o que ocorre ainda em muitos casos.


EXTRA: Como as pessoas podem ajudar na construção de um Mundo mais acessível para os jovens surdos, em particular, e pessoas com deficiências?

MAYRA: A inclusão não só dos surdos, mas das pessoas com deficiências em escolas regulares tem passado por muitas mudanças durante décadas. Essas mudanças têm trazido várias melhorias à educação dos mesmos, mas evidente que ainda há muito para ser melhorado. Agora, o grande desafio da inclusão não é somente a construção de rampas, barras, elevadores, intérpretes de Libras, Braille e outros, mas a mudança do olhar da sociedade em relação às pessoas com deficiência, e acreditar que elas têm capacidades e habilidades e não só a limitação que vejo. Que possamos oferecer sim a acessibilidade arquitetônica, garantindo assim não só a qualidade de vida destas pessoas, bem como o direito de ir e vir. Cito a fala de uma cadeirante que disse: “Se o lugar não é deficiente eu não me sinto deficiente”. Mas que possamos também praticar a acessibilidade atitudinal, que é a atitude pessoal de cada indivíduo em relação à pessoa com deficiência, esta vai além do discurso, e por isso mesmo faz a diferença, e é antes de tudo uma questão de educação e respeito por outro ser humano.



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