CARLOS EDUARDO

As migrações do homem pré-histórico

As migrações do homem pré-histórico

Da África Oriental à região de Ouroeste

Da África Oriental à região de Ouroeste

Publicada há 8 anos

CARLOS EDUARDO MAIA DE OLIVEIRA

Professor EBTT no Instituto Federal de São Paulo, Câmpus Votuporanga. Biólogo, Cirurgião-Dentista, Mestre em Microbiologia e Doutor em Geologia Regional. E-mail: edumaiaoli@yahoo.com.br


Corria o mês de abril de 1997, às margens do Rio Grande, no entorno da hidrelétrica de Água Vermelha, no município de Ouroeste, Região Noroeste do Estado São Paulo, três pescadores procuravam um local adequado para pescar, quando, de repente, avistaram uma grande árvore caída com as raízes expostas. Ao se aproximarem do local, qual não foi a surpresa deles ao notarem que, no buraco formado pelas raízes da grande árvore caída, estavam depositadas ossadas humanas. Depois de muita polêmica, com direito a comunicação à Polícia Militar, realização de boletim de ocorrência e análise de peritos em criminalística, chegaram-se à conclusão de que as ossadas pertenciam a indígenas que viveram na região há milhares de anos. Esta história é bem conhecida, e culminou na construção de um Museu de Arqueologia na cidade de Ouroeste, denominado de “Museu Cultural e Arqueológico Água Vermelha”, que abriga a exposição permanente das ossadas dos índios, dos fragmentos de cerâmica e produtos líticos produzidos por eles. Uma descoberta fascinante e ocorrida ao acaso, porém, o leitor poderá perguntar como estes indígenas foram parar na referida região? A resposta a essa pergunta envolve a saga das grandes migrações realizadas pelo homem pré-histórico no mundo.

Os humanos surgiram na África Oriental (atual território da Etiópia) há quase 200 mil anos, como revelaram as datações das ossadas mais antigas da nossa espécie encontradas até o presente momento. Portanto,um dia,os humanos saíram daquela região da África e se espalharam pelos quatro cantos do mundo, inclusive em direção à Região Noroeste paulista, onde se localiza Ouroeste. Cabe destacar, que naquela época, há 100 mil anos, além dos humanos atuais, cuja espécie é classificada como Homo sapiens, existiam pelo menos mais seis outras espécies de humanos no planeta. No presente artigo, estas outras espécies de humanos serão chamadas de hominídeos, e, a espécie Homo sapiens (atuais seres humanos), será denominada apenas de humanos. É consenso entre os cientistas que há 100 mil anos, pela primeira vez, os humanos deixaram a África Oriental rumo à região do Levante (atuais territórios de Israel, Jordânia, Palestina, Líbano e Chipre), mas, ao chegarem lá, encontraram alguns de seus parentes hominídeos vivendo naquelas terras – os Neandertais. Estes tinham compleição mais robusta que os atuais humanos, e também possuíam caixa craniana mais volumosa, e, naquela época, ocupavam o Oriente Médio e a Europa. Os humanos não conseguiram se estabelecer no local, e desapareceram daquela região, misteriosamente.

Outra onda de migração, realizada pelos humanos há 70 mil anos, saiu, novamente, da África Oriental e partiu rumo ao Oriente Médio, mas desta vez, como indicam as evidências arqueológicas, foi bem sucedida na colonização desta e de outras regiões, expulsando os Neandertais e as outras espécies de hominídeos não somente do Oriente Médio, mas também da face da Terra. Há 60 mil anos, os seres humanos chegaram à Ásia e há 45 mil anos à Europa. Também, mais ou menos naquela época, há 45 mil anos, os humanos conseguiram atravessar o mar aberto e chegar à Austrália – até então um continente intocado pelo homem. Na Europa e no Oriente Médio, os humanos interagiram, novamente, com os Neandertais (até então os parentes mais próximos), e, sobre as consequências desse fato, existem duas teorias –os seres humanos os dizimaram por completo sem se miscigenarem com eles, ou houve miscigenação antes da morte do último Neandertal, ocorrida há 30 mil anos na Europa. Um fato curioso sobre isso foi noticiado, em 2010, quando o mundo ficou estarrecido com a publicação de um artigo científico. Os geneticistas conseguiram coletar DNA (material genético) intacto de Neandertais e compará-lo com o DNA de humanos modernos. Os resultados foram impressionantes, pois revelaram que de 1% a 4% do DNA de populações de humanos modernos, no Oriente Médio e na Europa, são DNA de Neandertais, ou seja, um descendente de europeus ou de pessoas provenientes do Oriente Médio pode ter um pouco do sangue do hominídeo Neandertal correndo nas veias. Ainda estão sendo realizados estudos mais detalhados a respeito, que podem confirmar ou modificar estas conclusões. Portanto, os nativos da Europa, do Oriente Médio e da Ásia são descendentes de seres humanos que chegaram àquelas regiões nestas ondas migratórias. E, por fim, quando o capitão James Cook, da Marinha Real Britânica, chegou à Austrália, em 1770, encontrou por lá nativos chamados de aborígenes – certamente descendentes daqueles humanos que chegaram à terra dos cangurus há 45 mil anos. E COMO OS ANCESTRAIS DOS NOSSOS ÍNDIOS CHEGARAM À AMÉRICA? Quando os ancestrais dos índios pisaram nas Américas pela primeira vez? Afinal de contas, a Região Noroeste e o município de Ouroeste, obviamente, pertencem a esse continente, e, contar a migração humana pelas Américas é contar como os ancestrais daqueles índios foram parar nas proximidades do que é hoje a barragem de Água Vermelha. Há controvérsias a respeito do assunto, mas a hipótese mais aceita pelos pesquisadores é que, em torno de 14 mil anos atrás, os ancestrais dos índios americanos vieram pela Beríngia, faixa de solo firme que na época das glaciações, ligava o extremo leste da Ásia ao Alasca (extremo oeste da América do Norte), onde hoje se situa o estreito de Bering. Uma das pesquisas mais recentes sobre o assunto pertence a renomados pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que analisaram aspectos genéticos de alguns indígenas das Américas (incluindo índios brasileiros), e chegaram à conclusão que os ancestrais dos índios americanos eram nativos da Sibéria (norte da Rússia), e se constituíam em povos dos grupos linguísticos Keti (pertencentes ao mesmo grupo linguístico do Japão e da Mongólia) e Altai (grupo linguístico sem similar no mundo, cuja língua original está praticamente extinta). Não por acaso, os índios apresentam traços fisionômicos similares ao do povo nativo da Sibéria, como por exemplo, os olhos puxados, cabelos lisos e escuros. Há 9 mil anos, os descendentes destes primeiros humanos que pisaram nas Américas, chegaram à Região Noroeste (de acordo com as datações mais antigas do material encontrado em Ouroeste), talvez utilizando os rios regionais como meio de transporte e aqui se estabeleceram durante milhares de anos, bem antes dos primeiros colonizadores fundarem os povoados precursores das cidades daquela região. Portanto, os ancestrais dos ancestrais dos primeiros indígenas que fixaram residência onde atualmente é o município de Ouroeste, um dia, há milhares de anos, viveram na África Oriental, e, por meio de grandes migrações, seus descendentes espalharam-se pelo mundo. Alguns deles chegaram por aqui, estabeleceram-se, viveram por milhares de anos nessas terras, desapareceram, e deixaram, como lembrança de sua passagem, ossadas humanas e produtos de sua cultura encontrados por aqueles três pescadores que saíram de casa para procurar um bom local de pesca, e, com isso, conseguiram pescar mais do que peixes – pescaram um legado cultural de valor arqueológico inestimável para a história da humanidade.

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