A inclusão escolar de pessoas com deficiência é uma meta legítima e necessária. A ciência educacional mostra com clareza que a maioria desses estudantes se beneficia da convivência com colegas típicos em salas de aula comuns.
No entanto, essa mesma ciência também demonstra que a maioria dessas crianças e adolescentes necessita de apoios específicos, como adaptações curriculares, avaliações diferenciadas e, em muitos casos, o acompanhamento de profissionais especializados.
Para uma parcela significativa de estudantes com deficiência, especialmente aqueles com comprometimentos mais severos, a sala comum não apenas deixa de ser benéfica como pode ser prejudicial ao seu desenvolvimento.
Esses alunos se beneficiariam muito mais de contextos com turmas reduzidas, professores especializados e currículos individualizados. E há também aqueles que precisam de ainda mais: de instituições especializadas com forte integração terapêutica. Esse modelo é adotado em países desenvolvidos, sem exceção.
Apesar disso, há no Brasil um movimento que propõe a chamada 'Inclusão Total'. Seus defensores afirmam que todos os estudantes com deficiência, independentemente de seu grau de necessidade, devem estar exclusivamente em salas de aula comuns, sem apoio individualizado, sem adaptações e sem mediação especializada. Essa visão ignora as diferenças e fragiliza o próprio ideal de inclusão.
É com base nessa ideologia que o governo federal, ao longo das últimas décadas, vem tentando esvaziar ou extinguir as instituições especializadas, como as APAEs — Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais.
Ainda em 2010, durante o segundo mandato do presidente Lula, foi proposta uma lei que previa o fechamento de todas as escolas especializadas do país até 2017. A medida foi impulsionada no governo Dilma, mas acabou rejeitada pelo Congresso Nacional em 2014. Mesmo assim, a ofensiva não cessou: o esvaziamento veio por meio de cortes de financiamento e aumento da pressão institucional.
Essa ameaça vem se intensificando por duas frentes principais. A primeira é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Federação Brasileira das Associações da Síndrome de Down, uma entidade aliada histórica do governo. A ação questiona duas leis do estado do Paraná que garantem o funcionamento das escolas especializadas.
Caso o Supremo Tribunal Federal julgue procedente a ação, hoje nas mãos do ministro Dias Toffoli, haverá um efeito cascata que pode levar ao fechamento de todas as unidades e à transferência automática dos estudantes para escolas comuns.
A segunda frente é a tentativa de retomar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) adormecida há anos, visando declarar inconstitucional a existência de instituições especializadas. Essa manobra atende aos interesses do Ministério da Educação e ao alinhamento ideológico com a visão da Inclusão Total.
Diante desse cenário, as APAEs têm reagido. Uma ampla mobilização está em curso, reunindo lideranças políticas importantes do Paraná, como o governador Ratinho Jr. e o Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência.
No Senado, o senador Sérgio Moro propôs uma emenda à PEC, que não apenas permite, mas legitima constitucionalmente a existência das escolas especializadas. A proposta já conquistou o apoio declarado de mais da metade dos senadores da República.
O verdadeiro ideal de inclusão não pode ser construído à base de exclusões. Defender um modelo plural, que respeite as diferentes necessidades e ofereça os apoios adequados para cada aluno, é a única forma de garantir que todos tenham, de fato, o direito à educação.
Um sistema inclusivo de verdade é aquele que acolhe a diversidade oferecendo caminhos variados, e não únicos, para que cada estudante possa alcançar seu pleno potencial.
Lucelmo Lacerda é doutor em educação, pesquisador, ativista do TEA e autor de “Crítica à pseudociência em educação especial: Trilhas de uma educação inclusiva baseada em evidências”.
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