Por Lívia Caldeira

Muitas vezes, nos perdemos em meio a tantos símbolos, que trazem para as datas festivas valores e significados bem diferentes da sua verdadeira essência e acabam sendo lembradas por seu sentido comercial. Assim acontece com a Páscoa que, para o padre e psicólogo Luciano Ramos, de 39 anos, vai muito além de ovos de chocolate. Ele acredita que, independente da religião de cada pessoa, a data serve para nos ensinar valores de fraternidade, humanidade e amor ao próximo.  Em entrevista à Reportagem de “O Extra.net”, o padre aborda o real significado da Páscoa, esclarece algumas dúvidas frequentes, fazendo também uma análise sobre a atualidade e exemplos que podem ser seguidos inspirados na data.

O EXTRA: Qual o verdadeiro significado da Páscoa?

PE. LUCIANO: Quando pensamos em Páscoa, a primeira coisa que imaginamos são os famosos ovos de chocolate. Mas é importante lembrarmos o verdadeiro significado desta data. Independente da religião que seguimos, a Páscoa cristã nos leva a refletir sobre o amor, a vida e a capacidade de recomeçar, tornando esse dia, além de muito doce, especial!

O EXTRA: Por que, para os cristãos, a Páscoa é mais importante do que o Natal?

PE. LUCIANO: Pergunte a qualquer criança de sete anos que esteja na catequese: “Qual é a festa mais importante da Igreja?”. Muito provavelmente ela responderá: “É o Natal!”. Talvez até mesmo você, leitor, também teria dado esta resposta. Mas será que o Natal é mesmo a festa mais importante da Igreja? O Sagrado Magistério da Igreja nos ensina que “em cada semana, no dia que a Igreja passou a chamar 'dia do Senhor', ela recorda a ressurreição de Cristo, celebrando-a uma vez por ano, juntamente com sua sagrada paixão, na solenidade máxima da Páscoa” e que, portanto, “a Páscoa não é simplesmente uma festa entre outras: é a festa das festas, a solenidade das solenidades”. A salvação da humanidade começou a acontecer no mistério da Encarnação do Verbo, celebrado no Natal. Mas a consumação dessa salvação aconteceu no mistério da Ressurreição do Senhor, celebrado na Páscoa!

O EXTRA: Qual aprendizado os fiéis podem levar deste tempo quaresmal?

PE. LUCIANO: Na Quaresma, Cristo nos convida a mudar de vida. A Igreja nos convida a viver a Quaresma como um caminho a Jesus Cristo, escutando a palavra de Deus, orando, compartilhando com o próximo e praticando boas obras. Nos convida a viver uma série de atitudes cristãs que nos ajudam a parecer mais com Jesus Cristo, já que por ação do pecado, nos afastamos mais de Deus. Por isso, a Quaresma é o tempo do perdão e da reconciliação fraterna. Cada dia, durante a vida, devemos retirar de nossos corações o ódio, o rancor, a inveja, os zelos que se opõem a nosso amor a Deus e aos irmãos. Na Quaresma, aprendemos a conhecer e apreciar a Cruz de Jesus. Com isso aprendemos também a tornar nossa cruz com alegria para alcançar a glória da ressurreição.

O EXTRA: Na sua opinião, a Páscoa está perdendo a sua essência?

PE. LUCIANO: A comemoração da Páscoa faz parte de uma das tradições mais antigas da humanidade, atravessando milênios. Todavia, a sua origem histórica e significado humano para as pessoas se perdem em meio à comercialização de ovos de chocolate e pescados. É preciso que as pessoas se conscientizem do real significado da Páscoa, para que valores ligados à fraternidade e humanidade sejam vivenciados por todas as gerações que virão.

Em nosso contexto atual, o que se percebe é a gradual incorporação econômica dos sentimentos populares. Reduzir o significado da Páscoa à compra e oferecimento de ovos de chocolate é desapropriar o sentimento de humanidade que podemos alimentar ao próximo e a nós mesmos. O significado de libertação é amordaçado a ritos consumistas, que aos poucos esvaziam o significado de amor, solidariedade e compaixão. Acabamos por nos escravizar em um ritmo desenfreado de acúmulo de capitais somente para usufruirmos de prazeres materiais que em nada agrega ao nosso “SER”.

Por isso que nessa Páscoa todos podem fazer algo diferente do que consumir. Reúna a família, vizinhos e busque dar conforto a quem mais precisa. Solidarizar-se é compartilhar o sentimento do outro, buscando o conforto mútuo e nele se sentindo bem. É assim que nos tornamos humanos. É assim que é a Páscoa!

O EXTRA: O que representa o coelho e os ovos de chocolate, símbolos da Páscoa?

PE. LUCIANO: Os coelhos não põem ovos e, por isso, as pessoas se perguntam por que os dois são símbolos da Páscoa? O ovo é uma tradição antiga que surgiu antes de Cristo. Quando a Páscoa cristã começou a ser celebrada, a troca de ovos começou a fazer parte da Semana Santa. Os cristãos passaram a ver no ovo um símbolo da ressurreição de Cristo. Naquela época, as pessoas trocavam ovos de galinha decorados. A tradição dos ovos de chocolate começou na França e, a partir do século XIX, os ovos doces tomaram conta da comemoração. Já o animal foi associado à Páscoa porque se reproduz rapidamente e simboliza fertilidade e vida nova.

O EXTRA: Em tempos de tanta violência, a Semana Santa inspira exemplos a serem seguidos? Qual a reflexão mais importante que podemos fazer nesta semana?

PE. LUCIANO: Tudo que foi vivido na Quaresma e na Semana Santa chega ao ápice na Páscoa de Jesus. É Nele que nós encontramos esta esperança em um mundo melhor. Unidos a Ele teremos a força para mudar a situação de desesperança. Gosto de uma metáfora do Rubem Alves, 'os ipês ousam florir no inverno'. É o desafio para nós que ainda temos fé, nesta situação de violência e falta de esperança, é ousar florir, ousar o novo neste tempo conturbado para construir um Brasil e um mundo melhor".

Diante de tantas notícias ruins, de desavenças, de manifestações de ódio e guerras, a lição para todos é não desistir, por maior que seja o desafio ou o problema. As pessoas estão perdendo os valores, não querem dialogar e escutar. Querem colocar os próprios interesses acima de tudo. Temos que nos lembrar que encontramos Cristo no irmão, na pessoa ao lado. Jesus nos deixou a palavra de que tem que haver o amor entre as pessoas. Eu tenho esperança de que se tivermos Deus presente em nossa vida e nos amarmos, isso muda. Por isso acredito plenamente em dias melhores.