Histórias do T

Simpatias das Vovós e das Benzedeiras

Simpatias das Vovós e das Benzedeiras

Por Claudinei Cabreira

Por Claudinei Cabreira

Publicada há 8 anos



Claro que lá pelos anos sessenta o nosso mundão velho e sem porteira era muito diferente de hoje em dia. Antigamente, quando não havia remédio para quase nada e ir ao médico era luxo para bem poucos, o jeito era apelar para a sabedoria popular. Todas as “vovós’ do meu tempo tinham suas famosas “simpatias e chazinhos” que miraculosamente resolviam qualquer tipo de problema. Espinhela caída, cobreiro, boqueira, frieira, sapinho, bicho-do-pé, erisipela, quebranto, vento virado, peito arrotado, mau-olhado, olho-gordo e até a terrível dor de cotovelo se curava com uma simples “simpatia”.


          Quando as “simpatias da vovó” não davam certo, ainda havia uma outra saída: as benzedeiras e suas rezas poderosas. Três raminhos de arruda, alecrim ou guiné, muita fé e pronto; como num passe de mágica tudo se resolvia. Para todos os males que atingiam o corpo e a alma do homem sempre havia uma reza bem forte capaz de curar. E é por isso que apesar do tempo e dos avanços da medicina moderna, a tradição dos benzedores ainda persiste na zona rural ou na periferia das cidades. Acreditando ou não no poder da reza, tem sempre aqueles que procuram nas rezas e nos benzimentos uma cura para a sua doença ou um alívio para a sua dor. Algumas orações não podiam ser reveladas, como aquelas rezadas “contra os inimigos” ou para “fechar o corpo”, porque os benzedores achavam que revelando o segredo elas “perderiam o encanto”.


Meu avô paterno, por exemplo, era benzedor e dos bons. Segundo os parentes mais velhos, ele era especialista em curar cobreiro. Bastavam três sessões de suas rezas e o cobreiro secava. Nunca cobrou um centavo de ninguém e sempre ajudava de bom gosto todo mundo que precisava, porque ele dizia que aquilo era um “dom” e não um meio de vida. Lembro que era muito pequeno, devia ter ai uns cinco anos, quando um dia estava na casa dele e vi uma cobra nos fundos do quintal. Fiquei muito assustado, claro. E ele percebendo meu medo, me levou para dentro de casa, me sentou numa cadeira, apanhou seu pequeno punhal de cabo de argolas preto e branco e começou fazer sinais e dizer, quase sussurrando, palavras que até hoje nunca compreendi.


Não me pergunte como essas coisas funcionam, porque eu não sei. Mas que elas funcionam, disso eu não tenho a menor dúvida. Tanto que lá se vão quase sessenta anos e depois daquele dia, nunca mais vi cobras. Mesmo quando fazia minhas costumeiras pescarias pelas várzeas, rios e lagoas da região. Só as vejo quando alguém as indica, avisando para tomar cuidado, e apontando “olha lá a cobra”. Pois bem, um dia conversando com um famoso benzedor lá das bandas de Rubinéia, o “seo” Nézico, ele me garantiu que o meu avô, querendo me proteger, havia “fechado o meu corpo” para esse tipo de perigo. E eu acho que sim, porque não há outra explicação para isso.


O velho Nézico era muito requisitado por fazendeiros e sitiantes da região de Santa Fé do Sul, para fazer a famosa “limpeza de pastos” ou curar “bicheira de animais”. Se alguma cobra picasse um animal da propriedade, o povo ia buscar o “seo” Nézico. Ele fazia lá a sua reza para São Bento e o povo garantia que sua oração era poderosa, sempre afastando as cobras para bem longe do lugar.


Lá pela metade dos anos sessenta, um belo dia meu saudoso pai acabou sendo picado por uma cobra. Passou por maus bocados, até ser tratado e curado pelo lendário Dr. Alberto Senra. Mas ficou uma sequela no local da picada, o dedão da mão esquerda ficou totalmente paralisado, ficou “bobo”, dizia. Tempos depois, um benzedor que ele conhecia benzeu o tal “dedão bobo”, que ficou bom de novo. Mas o que impressionou meu pai foi que o benzedor disse que daí 40 dias ele iria encontrar pela frente outra cobra bem grande, mas que não se preocupasse, porque ela não iria ofendê-lo.


Os dias se passaram e o velho Gabriel acabou se esquecendo da tal profecia. E num final de tarde, quando ele cortava capim colonião para seus animais, na beira da estrada de ferro da EFA, quando ele juntou uma moita de capim e levou o ancinho,lá estava a tal cobra. Um “bolo’ que foi se desenrolando e sumindo no meio do capinzal. Diz ele que as “vistas escureceram” e que não viu mais nada. Quando se recobrou do susto, saiu em disparada largando suas ferramentas no lugar onde nunca mais voltou. Chegando em casa mais calmo, lembrou-se da profecia do tal benzedor. Foi conferir no calendário e quase perdeu a fala: 40 dias na batata!

Quando era bem pequeno, lembro que para curar Tersol, passava-se o rabo do gato na horizontal do olho, três vezes, três dias seguidos. Para cortar um soluço, o povo amarrava um fiapo de palha de milho no dedo mindinho do pé esquerdo. Minha mãe, por exemplo, dava sustos na gente, e acredite, cortava o soluço na hora. Eu não lembro onde foi que aprendi, mas até hoje, para acabar com soluço, bebo dez goles de água seguidos, sem respirar. É tiro e queda!


E tinha mais, para cortar quebranto, bastava amarrar uma fita vermelha no braço da criança. Para acabar com o ronco de alguém, era só chamar São Roque três vezes. Para acabar com torcicolo, antes de levantar da cama precisava virar o travesseiro e dar três socos bem dados. Para encontrar um objeto que sumia, bastava dar três pulinhos e repetir três vezes o nome de São Longuinho. E quebrar um espelho? Deus me livre, era sete anos seguidos de azar. Gato preto cruzando o caminho ou passar por baixo de escada, era azar na certa. E as simpatias casamenteiras?

Na frente das casas das antigas colônias das fazendas sempre havia um pequeno jardim. Todo mundo plantava ali um pé de Arruda, Alecrim, Comigo-ninguém-pode, Gambá, Guiné e moitas de Espadas de São Jorge. Era prá cortar o olho gordo, a inveja e proteger a casa e seus moradores. E há um rosário sem fim de outras crendices do povo daqueles tempos. Eram tempos inocentes onde o povo com seus chás e remédios caseiros operava milagres e a fé sincera do homem simples do campo, movia montanhas. E como movia. Semana que vem tem mais. Até lá.

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