OPINIÃO

Artigo: Ninguém tem mais tempo para ninguém

Artigo: Ninguém tem mais tempo para ninguém

Por: Carlos Eduardo Maia de Oliveira é Curador Voluntário do Museu de Paleontologia de Fernandópolis

Por: Carlos Eduardo Maia de Oliveira é Curador Voluntário do Museu de Paleontologia de Fernandópolis

Publicada há 2 horas

Foto: Autor com crânio do Crocodylus niloticus, o segundo maior crocodilo do planeta, pode alcançar seis metros de comprimento e uma tonelada de peso corporal. Foto: Arquivo pessoal

Tempos atrás, os vizinhos colocavam as cadeiras de corda nas calçadas e ficavam proseando a esmo, contando histórias passadas. Hoje, nem se conhecem, mal falam bom dia.

Não faz muito tempo as pessoas atendiam ao telefone e conversavam sem pressa. Atualmente, experimenta ligar para alguém, pode até ser um conhecido! Há grandes chances de ficar sem atendimento e, pior, sem retorno (considero esse comportamento um exemplo de falta de educação, para não dizer falta de consideração). 

Ninguém atende aos telefonemas, está todo mundo com pressa, sem tempo para isso. Parece que saiu da moda atender um telefonema.

Por meio do famoso aplicativo de conversa, mande frases curtas, áudios curtíssimos (tem até o recurso de transcrever o áudio para escrita), pois, caso contrário, o seu interlocutor não lerá a sua mensagem, não ouvirá o seu áudio, e até ficará com raiva de você. Ninguém tem mais tempo a perder, como se conversar com um amigo fosse perda de tempo. Triste isso!

Alguém pode pensar: “Ah, mas tempo é dinheiro”! Respondo: “quantas pessoas ficaram milionárias nos últimos anos com essa correria moderna”?

Interessante que, com o advento da internet, muitos achavam que as distâncias seriam encurtadas e, com isso, as pessoas poderiam se relacionar com mais facilidade. Aconteceu o contrário, as pessoas se distanciaram, mantêm relacionamentos líquidos, superficiais, profissionais, por interesse, talvez.

Ninguém tem mais tempo para ninguém. Ninguém tem paciência para ouvir a outra pessoa. Vivemos num tempo de correria, de prazos curtos. E aceitamos essa condição como inescapável.

Interessante que, de forma contraditória, ficamos hipnotizados por vários minutos, talvez até horas, assistindo vídeos curtos e viciantes nos aplicativos de redes sociais como o Tik Tok, vendo “Reels” curtíssimos no famoso Instagram, com duração de até um minuto, pois vídeos superiores a esse curtíssimo tempo geram ansiedade nas pessoas. 

Aonde chegamos? Vídeos de, no máximo, um minuto. Antes ficávamos um bom tempo lendo um bom livro.

Talvez esse meu texto não será lido por muitas pessoas, porque demanda uma leitura superior a alguns segundos ou, mais do que um minuto (tempo de ouro da internet).

A propósito! Uma curiosidade que notei lá no Museu de Paleontologia de Fernandópolis – pouquíssimos visitantes têm paciência para ler os cartazes com informações a respeito dos fósseis depositados naquela instituição. Quase todos que visitam o museu, observam os fósseis e os painéis, sem ler os conteúdos das plaquinhas explicativas. A maioria delas demanda mais de um minuto para serem lidas (tempo sagrado da internet). É uma pena, pois há muitas curiosidades interessantes naquelas placas!

Para que essa correria? Alguém vai tirar “o pai da forca”? Como diz o velho ditado.

Qual a razão dessa pressa? Qual o motivo para continuarmos a manter relacionamentos superficiais? O ser humano é um animal social por natureza. Precisamos da convivência com as pessoas, necessitamos conversar com alguém. E isso demanda certo tempo.

No filme “O Náufrago”, com o famoso ator estadunidense Tom Hanks, o seu personagem, após sofrer um naufrágio e ficar sozinho em uma ilha deserta, para não enlouquecer, conversa com uma bola de voleibol apelidada de Wilson, em alusão à marca do artefato esportivo. 

Esse detalhe do filme lembra-nos que um homem pode enlouquecer caso fique isolado por muito tempo. Não por acaso, a parte da prisão mais temida pelos prisioneiros é a “solitária”. Será que logo veremos pessoas conversando com objetos pelas ruas por falta de interação social?

Outro dia li que nas pequenas vilas italianas é comum se deparar com idosos centenários. Um dos segredos dessa longevidade, segundo uma pesquisa, é a vida leve e sem pressa que esses italianos da terceira idade costumam levar naquelas localidades.

Portanto! Se um amigo te ligar e você não puder atendê-lo naquele momento, não deixe de retornar a ligação telefônica assim que possível. Coloque as cadeiras na calçada e convide o seu vizinho para uma prosa descompromissada, faça mais churrascos e festas com os amigos e familiares. Melhore sua convivência social!

Tenha mais conversas leves, a vida já é tão pesada. Marque mais encontros com os amigos, pois a solidão vem campeando as pessoas, atualmente. Dê mais atenção aos seus familiares, pois, caso contrário, quem te dará atenção em breve será um psicólogo em um atendimento profissional.

Limitemos a nossa vida virtual nas redes sociais para termos uma vida mais real ao lado das pessoas que gostamos de conviver.

Prof. Dr. Carlos Eduardo Maia de Oliveira (Prof. Cadu) é biólogo e cirurgião-dentista; mestre em Microbiologia e Doutor em Geologia Regional com ênfase em Paleontologia de Vertebrados; professor EBBT; coordenador de Extensão do Instituto Federal de São Paulo, Campus Votuporanga e Curador Voluntário do Museu de Paleontologia de Fernandópolis

O texto é de livre manifestação do signatário que apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados e não reflete, necessariamente, a opinião do 'O Extra.net'.

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