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DOENÇAS CARDIOVASCULARES: suas implicações comportamentais, socioeconômicas e psicológicas

DOENÇAS CARDIOVASCULARES: suas implicações comportamentais, socioeconômicas e psicológicas

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Publicada há 2 anos

A doença cardiovascular (DCV), moléstia não transmissível, é um dos problemas de saúde mais graves e a principal causa de óbitos em todo o mundo (PELLENSE et al., 2021).No Brasil, as DCV lideram a mortalidade e figuram na lista das dez principais causas de morte (BAPTISTA; QUEIROZ;RIGOTTI, 2018; PORTAL, 2021). A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), aponta que cerca de 14 milhões de brasileiros sofrem alguma doença no coração e 400 mil morrem por ano em decorrência dessas enfermidades, o equivalente a 30% de todas as mortes no país, com cerca de mil óbitos por dia (PORTAL, 2021). O Portal (2021) ainda alerta que são mais de “18 milhões de óbitos no mundo decorrentes dessas doenças” e, no Brasil, “estima-se que até 2040 haverá aumento de até 250% desses eventos no país. A cada dois minutos uma pessoa sofre um acidente vascular encefálico [AVE] ou um infarto agudo do miocárdio [IAM]”.

O aumento da expectativa de vida (avançar da idade) e o envelhecimento populacional, apesar dos progressos no tratamento de cardiopatias, têm sido responsáveis pelo surgimento e ampliação expressiva de doenças cardiovasculares, hipertensão arterial (HA) e doença da artéria coronária (DAC), AVE, IAM e insuficiência cardíaca (IC) (HINKLE; CHEEVER, 2016; PELLENSE et al., 2021). Uma IC representa a “via final de grande parte das cardiopatias e causa frequente de hospitalizações e re-hospitalizações” (AGUIAR et al., 2021, p. 6). O AVE se destaca como a segunda maior causa de morte no mundo, portanto, é doença com alta morbimortalidade e tem, no Brasil e entre os países da América Latina, um dos maiores índices de óbitos. Durante a recente pandemia de Covid-19, porém, houve uma redução relativa nas admissões hospitalares por DCV, possivelmente devido a um número menor de atendimentos e de intervenções cardiovasculares, mas associadas a um aumento nas taxas de letalidade intra-hospitalar na população (NORMANDO et al., 2021).

O entendimento de uma DCV inclui todas as doenças listadas no Capítulo IX da CID10-151 até o agrupamento das 3 principais causas (doença isquêmica do coração (DIC), AVE e IC, e engloba 10 causas: cardiopatia reumática, DIC, doença cerebrovascular, cardiopatia hipertensiva, cardiomiopatia, miocardite, fibrilação e flutteratrial, aneurisma aórtico, doença vascular periférica e endocardite. No Brasil, aumentou o número total de mortes por DCV como principal causa de morte no Brasil: em 1990 foram 266.958 mortes e, em 2017, 388.268 óbitos, embora as taxas de mortalidade por DCV tenham diminuído de forma significativa nos últimos anos, (OLIVEIRA et al., 2020). Em 2017, a taxa de incidência padronizada por idade de DCV no Brasil alcançou 687,5 casos para cada 100 mil habitantes, enquanto a taxa de mortalidade por DCV padronizada por idade diminuiu significativamente nas últimas décadas (MANSUR; FAVARATO, 2016). A prevalência de DCV, porém, aumenta significativamente com a idade, com as populações mais idosas morrendo por DCV (BAPTISTA; QUEIROZ; RIGOTTI, 2018).

Em 2012, o Sistema Único de Saúde (SUS) despendeu US$ 608,9 milhões com procedimentos terapêuticos de alta complexidade realizados durante hospitalizações por DCV, 34% dos quais associados com angioplastia coronariana e 25%, com cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) (AHA, 2020). Entre 2006 e 2015, as DCV e suas complicações resultaram em um gasto de US$ 4,18 bilhões na economia brasileira. Estima-se que os custos gerais, equivalentes ao tratamento ambulatorial e intra-hospitalar para hipertensão, IAM, fibrilação atrial e a IC tenham atingido R$ 56,2 bilhões, em 2015 no Brasil, o que corresponde a 5,5% do total de despesas com assistência à saúde no País (ALENCAR et al., 2021), onerando fortemente o sistema de saúde (STEVENS et al., 2018, p. 303).As DCV respondem pelos gastos diretos mais substanciais com hospitalização e custos indiretos por redução da produtividade, cujos impactos incluem custos de substituição de funcionários (deixam o emprego para receberem cuidados de saúde), absenteísmo e interrupções do dia de trabalho e custos de gestão e administrativos com questões de cuidadores empregados (DUNBAR et al., 2018; OLIVEIRA et al., 2020).

Além destes impactos econômico-financeiros, há que se considerar, também, o impacto dos fatores psicológicos e psicossociais na patogênese das DCV, dentre os quais se relacionam depressão, ansiedade, características de personalidade, isolamento social e estresse crônico. Junqueira e Pina (2017, p. 1) lembram que “coração e mente parecem estar profundamente interligados”, e um evento que impacta a mente de forma intensa produz “sensações de dor ou de ansiedade, de alegria exagerada ou de otimismo, que se estendem ao coração, alterando o seu ritmo, o que provoca alterações no sistema nervoso autônomo, que por sua vez afetam o humor e o comportamento do indivíduo”.

Entre os principais fatores de risco que afetam o nível de mortalidade cardiovascular estão: avanço da idade, sedentarismo, fatores socioeconômicos (baixa renda, v.g.), ambientais, culturais, comportamentais e institucionais a que a população está exposta, enquanto a população mais jovem se apresenta menos suscetível ao risco de mortalidade por doenças cardiovasculares (BAPTISTA; QUEIROZ; RIGOTTI, 2018; PELLENSE et al., 2021). Os vários fatores de risco, associados ao desenvolvimento de DCV, classificam-se em: modificáveis, como hipertensão arterial, dislilipidemias, tabagismo, etilismo, hiperglicemia e diabetes mellitus, hematócrito elevado ou processo inflamatório, doença periodontal, obesidade ou excesso de peso, sedentarismo ou inatividade física, má alimentação (consumo de fastfoods e uso de contraceptivos), estresse, colesterol elevado – um dos principais fatores para doenças cardiovasculares e uma das causas do infarto e do AVE –, estresse mental desencadeado por fatores emocionais; e não modificáveis, como hereditariedade/genética ou história familiar de DCV, idade, sexo e raça/etnia (GOMES et al., 2016; CARVALHO; DEODATO, 2016;JUNQUEIRA; PINA, 2017; PORTAL, 2021).

Hinkle e Cheever (2016) e Gomes et al. (2016) descrevem que os principais sinais e sintomas decorrentes da DCV estão relacionados com arritmias e problemas de condução, DAC, distúrbios estruturais (infecciosos e inflamatórios do coração) e complicações de DCV, como IC e choque cardiogênico. Os mais comuns englobam: dor ou desconforto torácico (angina pectoris, síndromes coronarianas agudas – SCA, arritmias, valvopatia cardíaca); dispneia (SCA, choque cardiogênico, IC, valvopatia cardíaca), edema periférico, distensão abdominal pelo aumento do baço e do fígado, palpitações (taquicardia com causas diversas, SCA, cafeína ou outros estimulantes, desequilíbrios eletrolíticos, estresse, valvopatia cardíaca, aneurismas ventriculares), fadiga incomum ou exaustão vital (alerta inicial sintomático de SCA, IC ou valvopatia cardíaca com sensação de cansaço, irritação e abatimento, sintomas psicológicos como ansiedade), tontura, síncope ou alterações no nível de consciência (choque cardiogênico, distúrbios vasculares cerebrais, arritmias, hipotensão, episódio vasovagal – perda transitória da consciência, desmaio ou síncope, com fraqueza, sudorese, palidez, calor, náusea, tontura, borramento visual, cefaleia ou palpitações).

A incidência e a elevada prevalência das DCV desafiam o setor de saúde e as políticas públicas no combate aos seus fatores de risco (RIBEIRO; COTTA; RIBEIRO, 2021): como principais causae mortis no Brasil e no mundo, respondem por altos custos diretos e indiretos. Para redução da incidência, prevalência e mortalidade por DCV, é imperativa a prevenção dos fatores de risco associados a estes agravos( MAGALHÃSES et al., 2014), além de planejar e executar ações de cuidado integral com foco na prevenção das DCV, aprimorar o atendimento e a elaboração de protocolos técnicos para a melhorados padrões de eficiência na rede SUS. Na perspectiva da prevenção de doenças e agravos, Ribeiro, Cota e Ribeiro (2012, p. 7) julgam essencial desenvolver ações que “criem ambientes favoráveis à saúde e favoreçam escolhas saudáveis”, programas de intervenção de base comunitária que busquem “modificar fatores de risco cardiovascular e diminuir a morbidade e a mortalidade por doenças cardiovasculares”, políticas públicas e sistemas de vigilância dos fatores de risco cardiovascular.

Um dos destaques de medidas preventivas para DCV é controlar taxas de gordura no sangue para reduzir os riscos de doenças do coração que, na maioria das vezes, “agem de maneira silenciosa”. Segundo o Portal (2021), um estudo conduzido pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, em 2017, mostrou que “67% das pessoas desconheciam os valores dos níveis de colesterol do próprio organismo”, daí decorre a importância de manter controladas as taxas de gordura no sangue visando reduzir os riscos do surgimento de doenças cardiovasculares. O Portal (2021) sugere – e alerta – sobre a necessidade de se divulgar amplamente o assunto para que as “pessoas aprendam a cuidar da própria saúde e atinjam suas metas de colesterol”.

Outro destaque está associado ao sedentarismo que gera impacto negativo sobre a saúde. É fundamental a prática de atividades físicas que devem integrar o cotidiano de forma prazerosa – o que contribui para a saúde física e mental e auxilia na prevenção ao colesterol elevado (PORTAL, 2021). Na prevenção às doenças cardiovasculares, a atenção básica torna-se peça fundamental de junção entre políticas de saúde e comunidade, e a Estratégia da Saúde da Família (ESF) consolida-se como estrutura potencial para promover saúde, estimular a criação de um estilo de vida saudável e promover medidas preventivas primárias e secundárias e tratamento no caso de eventos cardiovasculares agudos (PELLENSE et al., 2021).

Na reabilitação de doentes cardíacos, a intervenção psicológica auxilia na superação do impacto emocional gerado pelo evento cardíaco, ajuda a modificar hábitos de comportamentos nocivos e reintegrar o paciente em suas atividades sociais anteriores (LAHAM, 2008). Um diagnóstico de evento cardiovascular representa um “forte impacto na vida do sujeito [...], refletindo no modo de se vivenciar a doença e/ou nos fatores de risco psicossociais gerados”, em sua qualidade de vida e agravamento da doença (SILVA et al., 2017, p. 1). Nessa condição, a atuação da Psicologia torna-se elemento diferencial no processo de adoecimento, promove a aceitação da doença de forma mais positiva, contribui para minimizar o sofrimento do indivíduo hospitalizado e gera confortoe estímulo na recuperação.

Psicólogo André Marcelo Lima Pereira

Email: andremarcelopsicologo@hotmail.com


REFERÊNCIAS


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