ARTIGO

Empregabilidade X Desemprego: uma análise à luz da Psicologia Organizacional e do Trabalho

Empregabilidade X Desemprego: uma análise à luz da Psicologia Organizacional e do Trabalho

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Publicada há 2 anos

Embora pareça uma afirmação reducionista, pode-se dizer que a “sociedade é formada por pessoas e empresas”: sem as empresas não se movimenta a economia em uma sociedade, e sem as pessoas essas empresas deixam de existir. Forma-se um círculo vicioso em que as pessoas contribuem economicamente para a sociedade, e esta retorna condições para que as pessoas se desenvolvam (KUAZAKI; VOLPATO, 2013, p. 65). Assim é que os ativos humanos são importantes para as organizações diante da necessidade de expansão das empresas por meio da oferta de produtos e serviços cada vez mais competitivos. Tal condição demanda novas formas de otimização de recursos, e a automatização e a informatização oferecem ganhos de produtividade em escala mais elevada e redução de custos e despesas, com ameaça de desemprego e consequente insegurança do trabalhador pela substituição da mão de obra operacional por outra mais especializada, com declínio do nível dos empregos formais e redução do poder aquisitivo (VASCONCELOS et al., 2018).

Entende-se que o emprego, como instituição social, cumpre uma série de funções, e sua perda gera fortes impactos sociais e psicológicos, tais como: desintegração da noção de tempo a partir da crise pessoal e comunitária e em âmbito familiar; desavenças e deterioração das relações sociais e pessoais; pessimismo, desesperança e fatalismo como perda total de esperança, enquanto a apatia domina o indivíduo; experimentação de um choque, raiva e sentimento de incompreensão (BRANDÃO, 2002). Segundo Déjours (1992), o desempregado possui uma imagem social negativa, sugere distanciamento do meio social, rupturas dos laços de sociabilidade construídos no mundo do trabalho, perda das principais referências do cotidiano do sujeito, implica a exclusão social, mudanças em referenciais sociais e pessoais, desconstrução da imagem da própria identidade e possibilidade de emergirem agravos à saúde devido ao medo do desemprego. Nas relações entre organização e trabalhador, Rentería Pérez e Vesga Rodríguez (2019, p. 130) referem um contrato psicológico (CP) que se define como “o conjunto de compromissos implícitos na relação de trabalho, além dos acordos formais explícitos estabelecidos entre as partes no âmbito de um acordo de relação laboral”, ou seja, compromissos laborais aliados a vínculos subjetivos em uma abordagem psicossocial nas relações de trabalho.

O medo da falta de emprego e o sentimento de exclusão conspiram contra o sujeito que se vê na contingência de suportar condições laborais precárias e baixos salários: nessa condição, o trabalhador busca estratégias de sobrevivência e adaptação no trabalho a qualquer custo em um processo de desvalorização social do desemprego. Pinheiro e Monteiro (2007) reconhecem no desemprego a condição subjetiva do trabalhador, desmotivado e privado de inúmeros ganhos como benefícios da remuneração, contatos com pessoas fora do círculo familiar, metas e propósitos que transcendem o individual, status e identidade pelo exercício laboral.

Fortes tendências de mercado cada vez mais imprevisíveis induzem os trabalhadores a nutrirem a ameaça constante do desemprego, acompanhada de sentimento de insegurança. O desemprego é inevitável, e quanto menor a empregabilidade maior é a taxa de pessoas sem emprego: registra-se um com desajuste entre oferta e procura – baixa oferta de vagas de emprego e grande demanda de trabalhadores procurando uma vaga no mercado de trabalho (BORGES et al., 2019). Para enfrentar tal situação, são exigidas “características profissionais e cognitivas necessárias à sua sobrevivência no mercado competitivo [...] diante da realidade do fim [possível] dos empregos e do aumento do trabalho” (KUAZAKI, 2006, p. 9), ou seja, a empregabilidade passa a constituir-se um referencial para o indivíduo.

Questiona-se, porém, sobre quais habilidades e competências são necessárias para que o profissional tenha sucesso e se mantenha ativo no mercado. Acredita-se que os profissionais devam facilitar sua inserção e desenvolvimento no mercado de trabalho por meio de boas práticas de autodesenvolvimento, ampliação de suas capacidades, atitudes laborais, habilidades e competências pessoais e profissionais; boa formação profissional com conhecimentos específicos, aprendizagem e atualização permanentes, dispondo-se à sua visibilidade no mercado e incrementando sua empregabilidade. Esse conjunto de práticas, habilidades e competências contribuem para a adequação e inserção do trabalhador no mundo do trabalho e favorecerem a empregabilidade em todas as esferas, inclusive daqueles que não atuam no campo em que se formaram. A empregabilidade é fundamental à busca de trabalho e requisito importante para as organizações competirem em um ambiente em mudança e para as pessoas que pretendem sucesso na carreira.

A empregabilidade decorre das novas exigências feitas pelas organizações aos trabalhadores. O conceito mais frequentemente admitido é que empregabilidade se refere à “capacidade de a mão de obra adaptar-se às novas exigências do mundo do trabalho e das organizações” (HELAL; ROCHA, 2011, p. 139), ou melhor, a “capacidade de um indivíduo se manter no mercado de trabalho, onde ele se mostra capaz de competir com outros indivíduos por um emprego” (BORGES et al., 2019, p. 6). Campos et al. (2008) e Borges et al. (2019) corroboram o conceito de empregabilidade como um conjunto de habilidades e competências necessárias para que o indivíduo conquiste sua vaga de trabalho e se mantenha no emprego: são características individuais que capacitam o trabalhador a escapar do desemprego, habilitar-se para determinado trabalho por meio de seu grau de aptidão e mostrar-se capaz de competir com outros indivíduos por um emprego. Capacidade de adaptação da mão de obra às exigências do mundo do trabalho, ajustar-se às condições de trabalho pelo aprimoramento do trabalhador que o torne atraente ao mercado de trabalho e lhe garanta espaço mesmo diante da redução da empregabilidade são condições importantes para a empregabilidade (NADER; OLIVEIRA, 2007). 

Campos et al. (2008, p. 162) destacam a necessidade de preparação para a busca de trabalho dentro de um rol de atributos requeridos como necessários ao funcionamento efetivo da organização. Tal preparação comporta o “desenvolvimento da capacidade crítica e reflexiva no processo de aprendizagem continuada”, conjugado com novos conhecimentos, habilidades e atitudes favoráveis ao alcance de uma colocação no mercado de trabalho. Um nível elaborado de empregabilidade requer habilidades transferíveis para diferentes campos de atuação por serem multifuncionais e multidimensionais, de grande apelo cognitivo (que envolve reflexão e processos mentais), aplicáveis a situações concretas: coletar, analisar e organizar informações, comunicar ideias e informações, planejar e organizar atividades, trabalhar com outros e em times ou equipes, usar ideias matemáticas e técnicas como habilidades básicas, solucionar problemas e usar tecnologias.

A perda do emprego produz forte tendência de nocividade ao indivíduo em praticamente todas as dimensões de sua existência, com efeitos danosos, entre outros (BRANDÃO, 2002): efeitos emocionais – instabilidade, ansiedade, angústia, estresse, depressão, amargura, desesperança, distúrbio psíquicos, suicídio ou autoagressão; efeitos psicológicos – insegurança, queda na autoestima e do nível de felicidade ou satisfação com a própria vida, perda da noção de identidade; efeitos físicos – deterioração da saúde física, alteração dos sistemas cardiovascular, imunológico, gastrointestinal e bioquímico; efeitos comportamentais – desorganização da vida diária, apatia, inércia, perda de estímulo, distúrbios alimentares, sexuais e de sono, abuso de álcool e drogas; efeitos familiares – deterioração da vida familiar (divórcio, abandono do lar, violência doméstica) e das relações interpessoais; efeitos econômicos – queda de renda, privação econômica; efeitos profissionais – dificuldades de recolocação, descrença e instabilidade em empregos futuros, diminuição do envolvimento ou comprometimento com o trabalho, insatisfação com a carreira, sabotagem em relação a (ex)empregadores; efeitos sociais – deterioração das relações interpessoais, isolamento, propensão a patologias sociais, internações em hospitais e aumento da criminalidade.

No amplo espectro do desemprego e da empregabilidade, a intervenção da Psicologia Organizacional e do Trabalho se faz oportuna e eficiente: ajuda a ressignificar acontecimentos anteriores presentes no trabalho, é capaz de enfatizar a reflexão sobre o seu papel na sociedade e no trabalho e despertar valores internalizados e o questionar o eu, atua como auxiliar no processo de elaboração da perda e proporciona a formação de novas perspectivas (CUNICO, 2019).

A ótica do desemprego aponta para consequências individuais psicológicas relevantes, diante da percepção sentir-se desqualificado para o mercado, alimentando sentimentos de fracasso e baixa autoestima. O desemprego interfere na saúde física do trabalhador e nos fatores subjetivos da relação saúde-doença-sofrimento psíquico (PERES; SILVA, CARVALHO, 2003). Representações mentais que não acomodam ocorrências psíquicas devem ser alteradas por novas compreensões para adaptação individual e organizacional eficazes, reconfigurações cultural, estrutural e funcional, cognições e emoções. A resistência cognitiva à mudanças e adaptações constitui grande entrave às vicissitudes e transformação das organizações e dos trabalhadores, oque evidencia a necessidade do acompanhamento desses fenômenos, a ser alimentado pela atuação da Psicologia, e reconhecimento de novas demandas individuais, organizacionais e psicossociais, à medida que representam importante forma de enfrentamento das mudanças (VASCONCELOS, 2017).

O trabalho para o homem representa o “verdadeiro sentido de vida” e, em muitas situações, ele “passa a maior parte de seu tempo trabalhando, mais do que vivenciando situações fora do espaço de trabalho” (PINHEIRO; MONTEIRO, 2007, p. 36). Segundo Borges e Tamayo (2001, p. 13), “o trabalho é rico de sentido individual e social. É o meio de produção da vida de cada um, criando sentidos existenciais ou contribuindo na estruturação da personalidade e da identidade”. A Psicologia Organizacional e do Trabalho atua com intervenções nesse amplo espectro de relações do trabalhador com seu labor, bem como dá ênfase às questões do trabalho, sofrimento psíquico e a figura do trabalhador, em conteúdos assolciados à subjetividade, saúde mental, identidade e vínculos subjetivos aos processos de trabalho. Releva a “importância e a centralidade do trabalho na vida dos sujeitos e como elas repercutem no fenômeno do desemprego” (PINHEIRO; MONTEIRO, 2007, p. 36).


Psicólogo André Marcelo Lima Pereira

Email: andremarcelopsicologo@hotmail.com

REFERÊNCIAS

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