Era bem pequeno, mas me lembro que quando chegava essa época de junho, junto com as primeiras ondas de frio, também começava a preocupação do pessoal das fazendas, com as possíveis geadas. Se elas atingissem os imensos cafezais existentes na nossa região, o prejuízo sempre era muito grande, porque significava a quebra parcial ou até total da safra, e com isso, a perda de um ano inteiro de trabalho de sol à sol. Lembro que lavradores e fazendeiros ficavam ouvindo o noticiário das emissoras de rádio, para saber se havia geado no estado do Paraná e se havia possibilidade de gear por estas bandas também.
Mas depois da primeira semana de junho, o povo da roça esquecia um pouco esses perigos da natureza e se dedicava na preparação das festas de Santo Antonio, São João e São Pedro. Era o tempo de agradecer os santos padroeiros ou juninos, como queiram, pelas boas colheitas. Também era tempo de se pagar velhas promessas. O pessoal das colônias era como uma grande família e da mesma forma como se juntava nos mutirões das colheitas, nessas ocasiões, também se reunia em grupos, cada um com sua tarefa na preparação daquelas festas maravilhosas e inesquecíveis.
Enquanto um grupo munido de facões e machados seguia para o bambuzal mais próximo, com a missão de cortar bambus para a montagem da barraca do baile e da quadrilha, outra turma se encarregava de cortar dois eucaliptos; um para o mastro da bandeira do Santo do dia e outro para o pau-de-sebo, onde lá no alto, eram colocadas algumas notas graúdas de cruzeiros. Às vezes, o fazendeiro um pouco mais animado com o efeito do quentão ou da chibóca, mandava colocar lá no alto uma cobiçada nota de mil cruzeiros, daquelas cor de abóbora, lembra? E por falar nisso, por acaso, será que a moçadinha de hoje em dia, alguma vez tentou escalar um “pau-de-sebo”?
Lenha para fazer a grande fogueira no centro do terreiro, nunca foi problema. Quando não eram os velhos pés de café arrancados das lavouras, eram os restos de árvores mortas retiradas das matas. As mulheres e as crianças cuidavam de preparar as bandeirolas coloridas de papel crepon para enfeitar o arraial, ao mesmo tempo que cuidavam de fazer panelões de quentão, pipoca e amendoim torrado. Amendoim se torrava em casca, no mesmo torrador de café.
Antes de começar a festa, sempre havia o terço e era preciso caprichar na decoração do altar, sempre com flores colhidas nas redondezas como as Dálias, Lírios, Rosas, Capitães-do-Mato e até ramalhetes das lindas flores de São João, que sempre abriam nesta época do ano. Essas flores de São João, eram de um laranja intenso e se espalhavam em moitas nas beiras das matas ou nas cercas de arame farpado, nas margens dos estradões de terra batida.
Quando terminava o terço, começava a festa com o povo levantando o mastro com a bandeira da imagem do santo padroeiro, enfeitada com espigas de milho, cachos de arroz em casca, pencas de laranjas, que eram oferendas e pedidos de boas colheitas. Era um momento de grande emoção, com o povo dando vivas, os adultos soltando rojões, os rapazotes soltando inofensivas bombinhas e traques, enquanto as crianças menores se encantavam, riscando os palitos de fósforos-de-cor. A fogueira era acesa, começava o divertido casamento caipira e logo em seguida, o sanfoneiro “puxava o bigode do acordeon” dando início ao grande baile forró, levantando a poeira até o raiar do dia. O povo era animado!
Enquanto isso, lá nos fundos da barraca, meio que às escondidas, os pares se preparavam para a tão esperada dança da quadrilha; lá fora no terreirão todo enfeitado, o pessoal se divertia em torno da fogueira, colocando batata-doce e milho verde para assar na brasa. Os homens tomavam chiboca e conhaque, outros se aqueciam tomando quentão, enquanto os mais jovens se divertiam tentando escalar o pau-de-sebo. E sempre aparecia na festa um ou outro “espírito-de-porco”, que soltava um “buscapé de vareta quebrada” no meio do povo só prá fazer ‘salseiro” e ver o “forfé”!
Depois de uma ou duas seleções de sucessos de Mario Zan ou Tonico e Tinoco, começava enfim a tão esperada dança da quadrilha, com “os noivos” puxando a fila de pares ao som de “Eu vou dançar no arraiá feijão queimado/ Eu vou dançar com a Rita do pé avermeiado”. E começava marcação: Caminho da festa! Os pares seguiam os noivos, parando no centro do terreiro. Olha a chuva! E todos davam meia volta. Já passou! Nova meia volta e seguiam adiante. Olha a cobra! As damas pulavam e davam gritos, os cavalheiros procuravam segurá-las em seus braços. É mentira! E todos davam uma grande vaia no marcador da quadrilha. A ponte quebrou! Outra vez davam meia volta. Já consertou! E assim seguiam, até o final da dança. O povo da roça era simples, mas sabia se divertir que era uma beleza. Bons e animados tempos aqueles. Semana que vem tem mais. Até lá.